quarta-feira, novembro 29, 2006

AMANTES CONSTANTES, de Philippe Garrel


Alguma coisa acontece no meu coração para que num texto sobre Amantes Constantes eu trate primeiro de acontecimentos extra filme visto que o filme de Philippe Garrel foi neste ano o mais esperado por mim. O motivo é um protesto-indignação: na sala do Artplex, ao entrar, quase não vejo pessoas da minha idade, mas velhinhos mil. E aí penso: "um bom público", mas que nada. Livrar-se da pipoca e dos barulhos de comida dos adolescentes não significa necessariamente uma sessão sem incômodos. Os velhinhos conversam sem parar e preciso apelar para o repressor "Shhh". Com duas horas e meia de filme começa uma debandada. Com o fim da sessão (três horas de duração), duas senhoras reclamam pelo fato de a administração do cinema não tê-las avisado da duração do filme. E precisa? Por acaso alguém costuma ser levado à força ao cinema, sem nenhuma informação do que assistirá em seguida? Por acaso alguém está passando por lavagens cerebrais por meio do cinema tal qual Alex, em Laranja Mecânica? Sou eu obrigado a ficar ao lado de um senhor que atende o celular por seis vezes para dizer que não pode falar agora? O público, às vezes, parece desprovido da capacidade de fruição cinematográfica.

Quanto a Amantes Constantes, é curioso que Louis Garrel apareça em dois filmes que retratam a mesma época, mas seguem caminhos diferentes. Se em Os Sonhadores Bernardo Bertolucci opta por um distanciamento do passado que resulta em mitificação do período tal como nós, jovens, temos nostalgia da mesma década de 60, esta que não vivemos - e que, por isso mesmo, ganha um tom saudosista e irreal - , por outro lado, Philippe Garrel aproxima o olhar e foca sua câmera num fragmento iniciado em 1968 e que, se era sólido, agora se desmancha no ar, parafraseando Marx.

Menos fantasioso. mais real. A começar pela fotografia dura em P&B, que não faz concessões (em alguns momentos os tons cinzas são quase eliminados do fotograma, cedendo ao preto e ao branco. Fotografia poética e adequada à proposta), o filme de Garrel caminha em sentido inverso ao de Bertolucci (Em Os Sonhadores a alienação interrompida que leva os personagens às ruas em Maio de 68 se dá menos pelo desejo de revolução política e cultural e mais por conflitos internos do triângulo amoroso). Em Amantes Constantes, se há o inconformismo dos jovens na primeira hora (bem apoiado numa longa, silenciosa e reflexiva cena de barricada), esse espírito rebelde logo cede à alienação do ópio e à recusa do real através da arte (pintura e poesia) e do amor (de todas as formas). Nesse sentido, o filme de Philippe Garrel ganha um viés mais político. Já é sintomático que a linha narrativa do relacionamento entre François (Louis Garrel) e Lilie (Clotilde Hesme) seja descontinuada e fragmentada por um estado das coisas que pede por mudanças. O final poético e, quem sabe, redentor, está mais para a máxima de Karl Marx, já citada acima.


Amantes Constantes (Les Amants Réguliers) França, 2005, 178min Direção e roteiro: Philippe Garrel Fotografia: William Lubtchansky Edição: Françoise Collin e Philippe Garrel Elenco: Louis Garrel, Clotilde Hesme, Julien Lucas, Eric Rulliat, Nicolas Bridet, Mathieu Genet, Raïssa Mariotti

quinta-feira, novembro 02, 2006

DUBLÊ DE CORPO, de Brian De Palma


Já havia dito num post sobre Dália Negra que Brian De Palma é um diretor da categoria mestre, aquele que não é inventor de linguagens e estéticas, mas que segue a cartilha de alguns diretores. Dublê de Corpo é um filme interessante porque permite assistir a uma releitura dos clássicos. No caso, Alfred Hitchcock. Não entro no mérito das qualidades, mas De Palma faz uma clara homenagem ao mestre do suspense. Em Dublê de Corpo, o ator Jake Scully tem a oportunidade de espiar da janela a vida alheia, tal qual o fotógrafo Jeff faz em Janela Indiscreta. Aqui, entretanto, a diferença é que o voyeur tem a mobilidade para sair da casa e tentar salvar uma mulher de um assassinato. É nessa trajetória de Jake que vamos percorrendo um outro caminho da filmografia hitchcockiana. Afinal, é impossível não assistir a claustrofobia de Jake e os planos de câmera vertiginosos do túnel que desnorteiam o personagem e não lembrar de Um Corpo que Cai (Vertigo). Sem falar nos sustos causados pela trilha sonora aguda que muito faz lembrar o parceiro de Hitchcock Bernard Herrmann. À parte os anos 50 e 60 de Hitchcock, Dublê de Corpo tem também aquela estética dos anos 80, meio punk meio glitter, operando como reflexo da época para uns e cafonice para outros. Trash, pop, terrir e nudez atípica para um diretor respeitado. Ousadia tinha nome.


Dublê de Corpo (Body Double) EUA, 1984, 114min Direção: Brian De Palma Roteiro: Brian De Palma e Robert J. Avrech Edição: Jerry Greenberg e Bill Pankow Fotografia: Stephen H. Burum Música: Pino Donaggio Elenco: Craig Wasson, Deborah Shelton, Melanie Griffith, Gregg Henry

PEQUENA MISS SUNSHINE, de Jonathan Dayton e Valerie Faris


Pequena Miss Sunshine é um filme que teve pouca divulgação, mas depois de assisti-lo, aposto minhas fichas: quase todo o público sai da sala com a alma lavada. Afinal, em algum momento da vida, até o mais competitivo profissional de qualquer área, sente-se pressionado, estressado e cansado por tanta cobrança. Pequena Miss Sunshine fala do fracasso. Todos os seus personagens são perdedores. Mas perdedores de um sistema norte-americano em que tudo e todos precisam se encaixar num ranking. O chefe da família sofre porque não consegue emplacar sua cartilha de "9 passos para vencer na vida", o cunhado, um professor universitário, tentou o suicídio depois de perder o namorado e de ter perdido o posto de maior especialista em Marcel Proust, nos Estados Unidos, o filho faz voto de silêncio até que consiga realizar o sonho de ser piloto de avião, plano que será frustrado mais adiante, e Olive, a estrela da casa, brilha somente... em casa. O fato de o próprio Proust ser considerado um fracassado em vida, mas, paradoxalmente, ser autor do maior romance do ocidente (em páginas e no valor literário) denuncia que algo está errado no modo de classificar os erros e os acertos na vida.


Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine) EUA, 2006, 101min Direção: Jonathan Dayton e Valerie Faris Roteiro: Michael Arndt Fotografia: Tim Suhrstedt Edição: Pamela Martin Elenco: Abigail Breslin, Greg Kinnear, Paul Dano, Alan Arkin, Toni Collette, Steve Carell