quinta-feira, outubro 25, 2007

FECHANDO A TAMPA - FESTIVAL DO RIO 2007

LUST, CAUTION, Ang Lee *****
FOR YOUR CONSIDERATION * (ver post)
AS TESTEMUNHAS *** (ver post)
MISTER LONELY *** (ver post)
EU NAO QUERO DORMIR SOZINHO ***** (ver post)
HOMENS NUS *** (ver post)
PIAF – HINO AO AMOR *** (ver post)
A FELICIDADE DOS SAKAI **** (ver post)
SEM FÔLEGO ****


ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO, Sidney Lumet ****
ELVIS PELVIS ** (ver post)
XXY ***** (ver post)
SINDROMES E UM SÉCULO **** (ver post)
AS BONECAS SAFADAS DA DASEPO ** (ver post)
SOMBRAS ELÉTRICAS *** (ver post)
O JOVEM WIM WENDERS **
O BANHEIRO DO PAPA **** (ver post)
SOMBRAS DE GOYA *** (ver post)


NÃO TOQUE NO MACHADO, Jacques Rivette ****
I’M NOT THERE ***** (ver post)
BÚFALO DA NOITE ***
MULHER NA PRAIA ***** (ver post)
PARANOID PARK **** (ver post)
FLORESTA DOS LAMENTOS
ENTREVISTA
A CADA UM SEU CINEMA
O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA **

LIKE A VIRGIN, Lee Hae-Young e Lee Hae-Jun ****
RITA CADILLAC – A LADY DO POVO ***
ILUMINADOS ****
DESEJO E REPARAÇÃO ***** (ver post)
4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS **** (ver post)
SNOW WHITE THE SEQUEL *
FILM NOIR **
NA ESTRADA COM O AMANTE DA MINHA MULHER
FRAULEIN


Curtas
LÊDA DE ARTE LEDA
MUITO PANO PRA POUCA MANGA
ELKE
HOMEM-LIVRO
MARIA LENK PIXINGUINHA
A MALDITA


Por falta de tempo, não deu para comentar todos os filmes a que assisti no Festival do Rio 2007 (ver filmes comentados em posts anteriores). Eis a lista de tudo o que consegui ver.

COTAÇÃO
***** irretocável
**** muito bom
*** bom
** razoável
* ruim

Agora é aguardar o Festival do Rio 2008!

terça-feira, outubro 02, 2007

FESTIVAL DO RIO 2007 (4)

EU NÃO QUERO DORMIR SOZINHO *****
Depois de sair da sessão de Eu Não Quero Dormir Sozinho pensei imediatamente em O Rio, outro filme de Tsai Ming-Liang, justamente porque os dois filmes têm em comum uma abordagem do precário. Em Eu Não Quero Dormir Sozinho Hsiao-kang é atacado na rua e logo depois é encontrado caído por um grupo de homens que o levam para um cortiço. Lá, um dos homens do grupo, Rawang, cuida de Hsiao enquanto este se recupera. Rawang passa a sentir uma afeição maior por Hsiao e este sente-se atraído pela garçonete Chyi na medida em que vai se recuperando. Os planos, estáticos e de longa duração, tornam-se quase independentes uns dos outros por comportarem cenas inteiras num único enquadramento – principalmente no período de convalescença de Hsiao. Em outros momentos, a câmera procura um ângulo estrategicamente mais enviesado para permanecer fixa e captar o que acontece na cena. Num plano, o colchão, que foi importante em toda a trama, agora flutua num lugar tomado pela água (mais um ponto em comum com O Rio) e, apesar da doença, da fumaça e da água que impedem o fluxo de vida, ele entra serenamente em quadro para mostrar uma das imagens mais belas do cinema. Tsai Ming-Liang sabota a trama em prol das sensações. (Dir: Tsai Ming-Liang, Taiwan/França/Áustria, 2006)



SOMBRAS DE GOYA ***
A proposta de Sombras de Goya é bastante interessante no que se refere ao título do filme. As sombras são dadas a três níveis de leitura. O primeiro, pelas sombras pintadas por Goya, no filme. O segundo, pelo contexto sombrio daquela época, quando a Espanha estava sendo tomada pelas invasões francesas de Napoleão, e, num terceiro nível, o termo sombras permite uma leitura referente à fotografia e à luz na tela de cinema. Neste último, Carlos Saura talvez tenha traduzido melhor as sombras em seu Goya, ao fazer alusão direta às telas do pintor. Um outro problema que vejo no filme de Milos Forman, com roteiro de Jean-Claude Carrière, é não trabalhar no meio termo, ou seja, tendendo demasiadamente para o lado de um cinemão comercial: estilo narrativo clássico, atores internacionais (Javier Bardem e Natalie Portman) e língua inglesa num filme que se passa na Espanha. Ou seja, sem fazer concessão ao que poderia vir a ser um filme mais sofisticado. A questão da língua talvez fosse mais aceitável se Milos Forman fosse inglês ou norte-americano, por exemplo. Mas não o é. Tudo bem, a produção é norte-americana, mas isso não alivia os ouvidos de quem vê cenas da Espanha e ouve o idioma inglês, com a péssima idéia de colocar uma ou outra palavra em espanhol entre as falas em inglês. O desfecho, afinal, aparece como uma redenção para um filme tão cheio de climas e efeitos. (Dir: Milos Forman, Estados Unidos/Espanha, 2006)





PARANOID PARK ****
O novo filme de Gus Van Sant pode até não ser dos melhores (dos mais recentes, gosto muito mais do Elefante e do Last Days), mas não se pode deixar de reconhecer que o diretor vem trabalhando coerentemente nos últimos filmes. Gus Van Sant tem colaborado para a criação de uma estética contemporânea da juventude americana bastante associada à idéia, senão do pessimismo, ao menos da melancolia (É esse um dos eixos temáticos de Elefante, Last Days, Garotos de Programa). Tudo parece letárgico em Paranoid Park: o tempo dilatado (a câmera lenta é usada dentro de um propósito bastante pertinente), a fotografia suja e escura e uma nostalgia/ironia em desterritorializar as músicas de Nino Rota feitas para filmes do Fellini. O crime em Paranoid Park não é punido física e institucionalmente. Como em Elefante, aqui também o personagem se chama Alex (a-lex = sem lei). Está aí o pessimismo com os projetos coletivos, com o futuro. Isso não significa que Gus Van Sant faça um julgamento moral dos fatos na trama. Pelo contrário, é uma constatação totalmente amoral. A punição do personagem consiste numa branda autopunição. Exorcizar a culpa é escrever sobre ela. E fica por isso mesmo. Paranoid Park é o parque dos skatistas, lugar isolado onde adolescentes voam em seus skates, acima da terra, acima das leis. (Dir: Gus Van Sant, Estados Unidos/França, 2007)




4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS ****
Pessimista em relação à situação da Romênia nos últimos suspiros sob o regime comunista de Nicolau Ceaucescu, Cristian Mungiu fez um filme cru e desprovido de sentimentos, com a exceção do medo e do ceticismo. Otilia precisa ajudar Gabriela, sua amiga de quarto numa república de universitários, a encontrar um médico num hotel para fazer um aborto, prática ilegal na Romênia de 1987. Quando Dr. Bebe descobre que Gabriela está com cinco meses de gravidez, e não dois como ela dissera, o médico quer aumentar o valor cobrado. Otilia precisa convencer o médico a fazer o aborto, mesmo não tendo o dinheiro para pagá-lo. Otilia faz uma incursão na escuridão da noite sem luzes, percorrendo as ruas a fim de encontrar um lugar para jogar fora o feto. Nos poucos momentos em que se vê outras pessoas, a relação gira sempre em torno da troca e do comércio de mercadorias e produtos ilegais no país. É o paralelo que se faz com os personagens (o médico, Otilia e Gabriela) na margem da sociedade. É a sensação que se tem ao ver Otilia num jantar, diante dos pais e os amigos dos pais do namorado, a falarem com certo desdém de pessoas menos instruídas ou que vêm do interior para a cidade. O deslocamento e o abismo entre Otilia e as pessoas à mesa é traduzido num plano estático e bastante longo em que Otilia fixa o olhar num ponto fora do quadro ao mesmo tempo em que os outros dão risadas e se divertem a seu redor. É no plano final também que o olhar de Otilia, diante da amiga Gabriela, parece apontar para algo fora do quadro, um ponto de fuga, tentativa de fuga, talvez. 4 meses, 3 semanas e 2 dias e A Criança, dos irmãos Dardenne, parecem ter mais em comum do que apenas a Palma de Ouro. (Dir: Cristian Mungiu, Romênia, 2007)




DESEJO E REPARAÇÃO *****
Diferente de Orgulho e Preconceito, em que havia uma distância muito grande entre os sentimentos dos personagens e o sentimento espectatorial (no meu caso), e a trama, apesar de bela, soava fria, em Desejo e Reparação, baseado no livro Reparação, de Ian McEwan, Joe Wright investe mais na personalidade de seus personagens. Keira McNight, atriz que interpretava uma personagem pálida no filme anterior, tem neste último filme uma tinta bem mais passional. Em 1935, Cecilia Tallis, jovem rica, apaixona-se pelo caseiro Robbie. A relação é interrompida quando Briony, irmã mais nova de Cecilia e escritora promissora, acusa injustamente Robbie de ter cometido um estupro na família. A separação vem com a prisão de Robbie e sua ida para a guerra. Mais tarde, Robbie e Cecilia se encontram para reatar o relacionamento. Briony, agora enfermeira na guerra, quer reparar o mal que fez a Cecilia e Robbie. Escritora conhecida, o modo que Briony encontra para desfazer seu erro é mudar na ficção o que já é imutável na vida. Destaque para o roteiro de Christopher Hampton e para o uso da trilha sonora, sempre se confundindo com os sons diegéticos na primeira parte do filme. (Dir: Joe Wright, Reino Unido, 2007)




O BANHEIRO DO PAPA ****
Mais do que um filme uruguaio, existe em O Banheiro do Papa um espírito latino-americano, presente também em filmes como Diários de Motocicleta, que fala de uma América pobre e ainda esperançosa com o que vem do centro do mundo. Mais particularmente, há em O Banheiro do Papa um resquício de cristianismo católico que une apesar das adversidades. Por outro lado, é uma América que se constrói na precariedade e na impossibilidade de se igualar aos países ricos. Beto tem a fé, mas sobrevive com a família às custas do contrabando que faz entre Brasil e Uruguai sobre a bicicleta. É a bicicleta que resgata a América rural, campestre, e que permite compor as mais belas imagens do filme, como as corridas entre Beto e seu amigo, tendo ao fundo a paisagem matinal, orvalhada e iluminada pelo sol. É a fé cega que os diretores Enrique Fernandez e César Charlone vão sabotar. Em 1988, a cidade de Melo, na fronteira entre Brasil e Uruguai, vive a expectativa de uma visita do Papa João Paulo II. As famílias de Melo vêem na visita a oportunidade para ganhar algum dinheiro com os milhares de visitantes que são esperados. O Papa é, então, o próprio milagre. Beto, abrindo mão dos projetos de estudo da filha, constrói um banheiro na calçada de casa para uso dos visitantes. O resultado frustrante mostra uma das facetas falidas do catolicismo. (Dir: Enrique Fernandez e César Charlone, Uruguai/Brasil, 2007)

segunda-feira, outubro 01, 2007

FESTIVAL DO RIO 2007 (3)

I’M NOT THERE *****
Quase tão impossível quanto limitar Bob Dylan no gênero folk é dizer que esse filme é uma mera biografia. Pode até ser uma biografia (por isso o “quase tão impossível” lá no início), mas o caleidoscópio de Todd Haynes é tão diversificado e rico quanto a carreira de Bob Dylan. Bob Dylan não está lá, não é um. Bob Dylan é muitos. Por isso, em I’m Not There Bob Dylan é Cate Blanchett, Heath Ledger, Richard Gere, Christian Bale, Ben Wishaw e Marcus Carl Franklin. A música de Dylan passa por uma série de gêneros e temáticas (folk, rock, religião, política, ainda que a palavra política suscite uma série de questionamentos por Dylan em I’m Not There) assim como sua personalidade de poeta, maldito, surrealista, caubói, branco e negro. Conforme o filme avança, vamos tendo progressivamente não um contorno preciso, mas ainda mais difuso de personagem controverso que não se deixa apreender. Para o pessoal que gosta de Oscar: eu daria a I’m Not There, pelo menos, uma indicação de melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro, melhor edição, melhor direção de arte, melhor trilha sonora, melhor figurino, melhor fotografia e melhor atriz para Cate Blanchett. Devo ter esquecido de mais alguma coisa que esse filme tem de bom. (Dir: Todd Haynes, Estados Unidos, 2007)




PIAF – UM HINO AO AMOR ***
Tenho a impressão de que os franceses estão aprendendo a fazer biografias de seus mitos com o cinema americano. Piaf – Um Hino ao Amor deixou quase todo o cinema aos prantos (incluso eu). Parece que a velha fórmula de contar a história de uma vida em narrativa cronológica foi para o espaço. Piaf – Um Hino ao Amor começa na velhice precoce de Edith e logo mergulha no seu nascimento. A partir daí a sensação de linearidade é logo abalada pelo quebra-cabeças que é tentar descobrir o que é antes e o que é depois nos momentos em que a idade de Piaf é muito próxima nas duas cenas que se misturam. De todo modo, o narrar em Piaf é bem mais comportado do que no I’m Not There de Todd Haynes. Colabora para isso o fato de Edith Piaf já estar morta e Dylan, vivo. Não significa, entretanto, obra fechada, mas mais compreensível, se quisermos “enquadrar” Piaf numa história de vida. Mas isso é besteira porque a voz do Pequeno Pardal, apelido de início de carreira, e o mito dessa diva da música francesa sobrevivem. Ah, Marion Cotillard é a atriz que provavelmente vai tirar o Oscar das mãos de Cate Blanchett. Aos 33 anos, a atriz interpreta Piaf da juventude até a morte. Não haveria maquiagem que desse jeito não fosse o talento impressionante de Cotillard. Apesar da vida errante no prostíbulo, no circo e nos bares, Edith Piaf não se arrependeu de nada. É por isso que encerra cantando: “Non, rien de rien, non, je ne regrette rien” (não, nada de nada, não me arrependo de nada). (Dir: Olivier Dahan, França, Reino Unido, República Tcheca, 2007)

AS TESTEMUNHAS ***

O novo filme de Andre Techiné, apesar de datar de 2007, tem sua trama passada nos anos 1983-84. E não alertar para isso no início do filme torna o soco no estômago ainda mais forte. Manu, o jovem que ainda não chegou aos 20 anos de idade, chega a Paris para tentar a vida, dividindo um pequeno quarto de hotel com a irmã. Num parque de encontros entre homossexuais, Manu conhece o médico Adrien, 50 anos, que logo se apaixona pelo rapaz, mas não é correspondido. Adrien leva Manu a casa de uma amiga, a escritora Sarah e seu marido Mehdi. Mais tarde, Manu se distancia de Adrien e começa um relacionamento às escondidas com Mehdi, policial que reprime gays e prostitutas nos guetos da periferia parisiense. O soco no estômago se refere às feridas que começam a aparecer no corpo de Manu. A mesma que as prostitutas e os gays, mas não só, começam a apresentar em todo o mundo. Alguns meses depois, surge o nome da doença: Aids. O encanto do filme se esvai com a despedida de Manu da vida. Techiné assume um tom de filme policial e de denúncia que destoa da beleza poética de Manu. Com a morte do jovem, os personagens se tornam errantes na trama e o filme parece perder o objetivo, ainda que o objetivo maior seja o livro que Sarah está escrevendo sobre Manu. (Dir: Andre Techiné, França, 2007)




XXY *****
Ricardo Darín tem sido onipresente no Festival do Rio. Além de marcar presença em três filmes, dirigindo um deles, também é um dos convidados do festival. Em XXY, entretanto, o destaque é para a atriz Inés Efron, que interpreta Alex, a hermafrodita que é o centro da trama. Há de ressaltar o talento da diretora Lucía Puenzo em seu primeiro longa. XXY aborda a questão de um modo bastante delicado e poético, se opondo a um discurso racional e científico. Alex é livre para escolher se quer ou não fazer a cirurgia de retirada do pênis. Ao mesmo tempo é vista como um ser exótico por algumas pessoas que a cercam na pequena comunidade de pescadores. Inés Efron protagoniza uma cena belíssima, difícil de ser executada e muito bem dirigida, a que transa com o filho do cirurgião plástico que está hospedado na casa de seus pais. Contraponto aos pais de Alex, o cirurgião tem dificuldade em aceitar o filho por vê-lo como um fracassado, ainda que o menino seja um pré-adolescente. A fotografia esverdeada se harmoniza com o cenário marítimo e com os olhos verdes e selvagens de Alex. XXY fala da delicada e tênue fronteira entre os gêneros sexuais e sobre o respeito dos pais na decisão dos filhos. (Dir: Lucía Puenzo, Angentina, Espanha, França, 2007)

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O FESTIVAL DO RIO

A massa clama por Piaf
Na sessão inaugural do filme Piaf – Um Hino ao Amor, no Cine Palácio, o público batia palmas clamando pelo início da sessão, que já passava dos 30 minutos de atraso. Era o tempo para a entrada de toda a comitiva francesa que vinha para ver Piaf nas telas. Nem Ilda Santiago, organizadora do Festival, escapou da chuva de vaias quando subiu ao palco para apresentar o filme. Viva Piaf!

Salve o Cinema!
Na sessão de Mulher na Praia, no Espaço de Cinema, não havia mais lugares para os cinéfilos credenciados que entram depois do público pagante. Eis que se dá, então, o seguinte diálogo entre o bilheteiro e um crítico credenciado:
- Meu senhor, não custa nada liberar. A garotada aqui querendo assistir ao filme e o senhor barrando.
- O senhor é cinéfilo há muitos anos, sabe muito bem que não posso liberar a entrada se não há mais lugares.
- Tudo bem, o senhor me deixa entrar para ver se não há mais lugares. Se não houver, eu saio e encerramos a discussão. Ele entra e volta: - Têm, no mínimo, nove lugares! E nós somos seis! O bilheteiro, sem argumentos, libera a entrada e entramos.

Primeiras poltronas (ou a turma do gargarejo)
Ao contrário das sessões de circuito, no Festival as primeiras poltronas têm sido ocupadas na mesma proporção que as do fundo da sala. Acabei pegando um pouco a mania de assistir aos filmes quase colado à tela.

Festival do Rio 2007 (2)

MULHER NA PRAIA *****
Em Mulher na Praia, Jongraee, um diretor de cinema, convida seu assistente e a namorada deste para passarem uns dias na praia a fim de terminar um roteiro de um filme. O diretor Hong Sang-soo traça com frieza e humor um início de triângulo amoroso entre os três personagens. Posteriormente, com a saída do assistente na trama, vamos percebendo as intenções de Jongraee: reescrever sua personagem no roteiro. E para isso, disseca os sentimentos da mulher para depois passar a outra. É um olhar um tanto amargo para as situações porque Hong Sang-soo parece pouco interferir a não ser constatar a confusão mental de Jongraee, mas, por outro lado, Mulher na Praia diverte o público pelo humor quase ácido das relações amorosas. Justamente por ter uma narrativa pouco afeita a grandes acontecimentos, e se aproximar muita mais da crônica desimportante, a despretensiosidade do filme é o que o torna grande. O estilo de Mulher na Praia lembra muito os filmes da nouvelle vague. (Dir: Hong Sang-soo, Coréia do Sul, 2006)



A FELICIDADE DOS SAKAI ****
A Felicidade dos Sakai, filme único do diretor japonês Mipa Oh, com roteiro premiado no Sundance 2006, é a história de uma família de classe média japonesa onde somente os pequenos conflitos do filho pré-adolescente e as brigas sem importância dos pais quebram a rotina dos Sakai. Entretanto, a ruptura da paz vem com o anúncio do pai da família ao assumir sua homossexualidade e sair de casa. Mais tarde, ficamos sabendo que o pai, na verdade, tem uma doença e inventou um relacionamento com outro homem para se distanciar da família e evitar o sofrimento desta. A Felicidade dos Sakai é bastante econômico na trilha sonora e nos movimentos de câmera. Só pra usar um clichê perfeitamente adequado para o filme, aqui o menos é mais. Muito mais. (Dir: Mipa Oh, Japão, 2006)




SOMBRAS ELÉTRICAS ***
Comecei a desconfiar de Sombras Elétricas logo no início da projeção. Depois de um acidente em que Mao Dabing cai de bicicleta e derruba uma parede de tijolos num beco, uma moça lhe acerta uma tijolada e ambos vão parar no hospital. Ele pelo acidente e ela pelos problemas psiquiátricos que sofre. Mao Dabing vai à casa da moça para alimentar os peixes a pedido dela. Lá, ao ler seu diário, entra no passado pelo flashback, aliás, 90% do filme é um flashback. Foi aí que a luz alerta piscou: tratava-se de um filme com a gramática de Hollywood. Flashback, câmera lenta nos momentos mais emocionantes, música crescendo à medida em que algo estava para acontecer e uma série de recursos para não deixar ninguém com os olhos secos. Realmente não deu para resistir. É um filme muito bonito porque trata da paixão da menina pelo cinema durante a infância, mostrando uma China comunista romântica, e do reencontro depois de tantos anos com o amigo Mao e com os pais. (Dir: Xiao Jiang, China, 2004)





SÍNDROMES E UM SÉCULO ****
Filmar quase em tom de crônica a rotina de um hospital é um modo de simples de falar do filme do tailandês Apichatpong Weerasethakul. Na verdade, o que se investiga neste filme é menos as ações em si que os intervalos entre as ações. É mais o modo como se dá que o fato. É até por isso que mais adiante, na segunda metade do filme, revemos cenas parecidas filmadas por outro ponto de vista, quase sempre o oposto. Síndromes e um Século também passa do hospital ao ambiente natural, ao verde, quase sem dar a perceber. Faz isso de modo tão hipnótico que apenas dá a imagem e o som como contemplação. Seja a do hospital, a das árvores e do lago ou a imagem e o som de um show do dentista que canta nas horas vagas. É quase impossível falar do filme pensando em narrativa, já que a experiência sensorial é quase um abismo para o espectador se perder nos planos e entre eles. (Dir: Apichatpong Weerasethakul, Tailândia, França, Áustria, 2006)




AS BONECAS SAFADAS DE DASEPO **
Filme baseado nos quadrinhos da Dasepo, As Bonecas Safadas de Dasepo é uma paródia extremamente sexualizada do americano High School Music. Toda a trama gira em torno das conquistas amorosas dos adolescentes. Anormais são os adolescentes que não transaram com os professores, por exemplo. Não há nenhuma pornografia no filme, mas muitas piadas da cintura para baixo. O imperdível são os números musicais e as cores usadas nos cenários e nas roupas dos personagens. São lindos os adolescentes coreanos e seu comportamento frenético de fotografar com o celular tudo que vêem. O colorido é a tônica das bonecas e dos bonecos safados da escola Dasepo. (Dir: Lee Jae-Yong, Coréia do Sul, 2006)

quinta-feira, setembro 27, 2007

Festival do Rio 2007 (1)

HOMENS NUS ***
O título engana a não ser que se tome como uma metáfora. O diretor húngaro Karoly Esztergalyos compõe a história melancólica de um escritor de meia-idade que se vê envolvido repentinamente com um rapaz de 19 anos no momento em que sua mulher está numa viagem. Digo história melancólica por uma série de fatores evidentes: numa cena em que o escritor e o rapaz percorrem uma galeria, vemos o cartaz de Rocco e seus irmãos, mais adiante, já em casa, Tibor, o escritor, contempla o corpo apolíneo do jovem, parcialmente coberto com uma manta vermelha que se assemelha ao veludo. A luz desse ambiente é suave, mas fria. O som toca Wagner e Mahler. Tibor lê para o rapaz a descrição que Thomas Mann faz de Tadzio em Morte em Veneza. Ora, tudo isso é uma alusão direta à estética do cinema de Luchino Visconti, inclusive no enredo de Homens Nus. Ao fim, como já era de se esperar, Tibor encontra.-se em situação cabal, sem a mulher e sem o seu Tadzio. Tibor termina em alucinação a ver seu apartamento luxuoso, até então um espaço diferencial em relação à sua aventura erótica, como extensão do antro de luz vermelha freqüentado pelo jovem. Agora, porém Tibor está sozinho. (Dir: Karoly Esztergalyos, Hungria, 2006)



FOR YOUR CONSIDERATION*
Mais um filme metalingüístico onde o fazer fílmico está retratado num contexto de cinema independente que tenta fazer sucesso a duras penas. Entretanto, toda a intenção da equipe se traduz em um dramalhão de uma família de judeus. No set de filmagens o diretor precisa trabalhar a auto-estima de seus atores. E consegue quando começam a circular nos bastidores boatos de uma provável indicação ao Oscar para a atriz protagonista. A trama de For Your Consideration é bastante interessante, mas o roteiro repleto de piadas desgastadas e levianas vai cansando e faz com que o filme chegue sem fôlego na reta final, ainda que seja bastante engraçada a transformação da atriz depois da improvável indicação com a cara cheia de botox. (Dir: Christopher Guest, Estados Unidos, 2006)



MISTER LONELY ***
Como anunciado pela organizadora do Festival do Rio momentos antes da sessão, a produtora Agnes B., que está sendo homenageada com uma mostra dedicada ao seu trabalho, realmente acreditou em filmes com pouco apelo comercial. Mister Lonely é um filme que dificilmente será lançado em circuito para o azar de quem acha que o cinema é onírico e não necessita tanto de tramas tão amarradas. Mister Lonely opta pela poesia da imagem em detrimento de uma narrativa corrida. Nas ruas de Paris, um sósia de Michael Jackson se apaixona por uma sósia de Marilyn Monroe. Ela o convida, então, para viver numa comunidade alternativa de sósias, afastada dos grandes centros, num belo castelo. Paralelamente, a história de uma freira que consegue voar depois de cair acidentalmente de um avião quando numa comitiva de religiosos levava alimentos para uma aldeia da América Hispânica. Daí que o milagre da freira é incentivado às outras freirinhas. A tentativa tem um resultado trágico e irônico. Michael Jackson também continua frustrado depois de saber que Marilyn é casada com um Chaplin que, na verdade, mais parece Hitler. Mister Lonely é um filme sobre solidão, desejo, frustração e sonhos. Além de tudo isso, é também sobre a poesia da imagem. (Dir: Harmony Korine, França, 2006)



ELVIS PELVIS **
Mais um filme da mostra Agnes B., Elvis Pelvis conta a história de um menino que queria ser Jimi Hendrix enquanto seu pai o queria como Elvis. Há um fio de narrativa em prol de um trabalho maior na estética visual do filme. Na infância de Elvis com os pais, filtro amarelo, imagem granulada, planos menos convencionais com câmera ágil, enfatizando com o close alguns objetos. Na segunda parte, fotografia granulada em preto e branco, cortes secos. A mãe de Elvis suicidou-se, o pai mora sozinho e desconhece o paradeiro de Elvis até que eles se encontram e o filho passa a cuidar do pai adoecido. Elvis agora é Jimi. Seu pai não tem mais força para fazê-lo mudar de opinião, forçando-o a ser sósia de Elvis, como na infância. Está resignado em aceitar a ajuda do filho. Esta segunda metade é um pouco extensa e cansativa. Assim como Mister Lonely, Elvis Pelvis foge de um padrão estético de filme pop e quebra a expectativa de quem esperava algum tipo de tratado do mito Elvis. (Dir: Kevin Aduaka, Reino Unido, 2007)

terça-feira, setembro 25, 2007

Começou o Festival do Rio 2007!!!

A imagem do post anterior é a do cine Odeon, na Cinelândia, centro do Rio. A imagem acima é também do Odeon, numa ocasião muito especial: exibição de Os Deuses Malditos, do Visconti, no Festival do Rio 2006. É para comemorar o início do Festival do Rio 2007. Em breve, comentários sobre os filmes que estou assistindo.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Ao espectador de cinema

AO ESPECTADOR DE CINEMA
Trecho retirado do livro Aleksandr Sokurov. Álvaro Machado (org.). São Paulo: Cosac&Naify, 2002.

"Por fim, Torato propõe uma explicação para o caráter hipnagógico (de transição entre vigília e sono) do cinema de Sokurov, citando um trecho do ensaísta Phillip Lopate, que analisa não o cinema do diretor russo mas dois cineastas que este também tomou como modelos, o francês Robert Bresson e o japonês Kenzo Mizoguchi:

Pode parecer afetado falar em assistir a um filme como disciplina meditativa (...), mas há paralelos. Existe um conhecido tipo de meditação que foca a atenção mediante a repetição de um único som ou imagem mental. Não obstante, outras práticas de meditação encorajam a pessoa em repouso a deixar seus pensamentos fluírem livres e desordenados, sem tentar ancorá-los em ponto nenhum. (...) No início, eu costumava resistir a deixar que minha mente vagasse durante a projeção dos filmes e lembrava-me de que estava desperdiçando o preço do ingresso. Mas, assim como na meditação budista a pessoa é ensinada a não repelir os pensamentos mesquinhos ou tolos que surgem, já que essas ‘distrações’ são precisamente o material que constrói a meditação, assim também comecei a permitir que minha mente espectadora fílmica bradasse mais livremente minhas preocupações, ansiedades e lembranças cotidianas que surgiam de alguma associação de imagens. Às vezes, perdia-me em alguma corrente mental por vários minutos, antes de retornar toda a minha atenção para o que se passava na tela; mas, quando voltava a ela, era com uma consciência renovada, uma maior profundidade de sentimentos. (...) Certos tipos de filme – aqueles com recursos estéticos austeros; passada não precipitada; consistência tonal; a tendência a planos longos que se opõem a close-ups; a atenção para as sombras e para o background; e a aceitação madura do sofrimento – me proporcionam um espaço maior para a meditação.

O trecho não foi escrito com a lembrança dos filmes de Sokurov, mas adapta-se perfeitamente ao estilo do diretor e pode auxiliar espectadores que se sentem impacientes ou incapazes de compreender suas imagens a não intimidar-se com quedas de atenção e desfrutar, de alguma maneira, um patrimônio de refinamento, humanismo e espiritualidade."

quarta-feira, agosto 01, 2007

Perdas no Cinema

INGMAR BERGMAN (1918 – 2007) e MICHELANGELO ANTONIONI (1912 – 2007)

quarta-feira, julho 25, 2007

ARCA RUSSA, de Aleksandr Sokurov

Enquanto fazia o trajeto que compreende a saída do cinema até a cadeira onde agora escrevo essa resenha, lembrei que tinha reproduzido algumas falas do filme no papel e pensei, “não consigo, porém, decodificar as imagens que vi”. E agora ficam resquícios dos resquícios das imagens que são “decodificadas” por mim e colocadas em outro código, o escrito. Daí que toda tradução e transcrição é traição e isso quase invalida o que está escrito. Escrevo agora somente porque, assim como o sonho, o filme é impalpável na sala escura e por isso quero eternizar o que sobra destes resquícios. Quero reler o que escrevi e ter uma lembrança do prazer que tive durante a projeção contínua.

No caso de Arca Russa, isso deve ser levado ao pé da letra já que são 96 minutos de plano-seqüência. A sensação de mergulho no tempo, proporcionada pelo plano-seqüência, é graças ao meio digital que, paradoxalmente, é anunciado como o responsável pelo fim do cinema. Um plano-seqüência real, sem corte algum, foi possível com a câmera digital de Sokurov. E este filme, definitivamente, não representa o fim do cinema.

E quando a câmera abre os olhos, quem vê parece ser esta mesma câmera, “Não repararam em mim”, diz. Começa a visita ao museu Hermitage e junto com ela, vamos revivendo as histórias por meio do retorno dos antepassados. A câmera se assume, então, como o narrador que vai abrir o baú da História. Sokurov faz, assim, a junção da diegese e da mímesis platônica. Vemos e ouvimos os diálogos dos personagens enquanto o narrador nos orienta pelas salas, diante das pinturas. “A Rússia é como um teatro”. A encenação fica clara, mas não me deixo levar pelas palavras e sim pelo encantamento das imagens. O narrador encontra um outro narrador que também nos guiará pelo espaço-tempo da História. Este segundo narrador, diferente do primeiro, é materializado num senhor que parece estar vestido de mestre de cerimônias e diz ter sido um diplomata no Congresso de Viena, em 1815. O primeiro narrador o chamará Europa. O primeiro narrador, cujo ponto de vista é sempre o da câmera, ao contrário, não lembra de onde veio e quando parou o seu tempo. Agora que acordou, julga estar no século XIX.

A História sedimentada a partir do acúmulo de repertórios do museu e do “pó das estradas” possibilitará o encontro do narrador com uma mulher cega cujo conhecimento do museu permite a ela apontar o lugar onde se encontra um Rubens ou um Van Dyck. O acúmulo da produção cultural não se resume somente ao de artistas russos, mas, principalmente, de europeus, no que o narrador indaga por que motivo os russos estão sempre a copiar, refletindo a partir de uma identidade russa que sempre esteve no conflito entre optar pela cultura e pelos modos europeus e ser nacionalista. No museu, estão também os mortos da guerra, os ecos dos caixões. Na frase do narrador, a intenção virtuosa de Sokurov, “Todos podem ver o futuro, mas ninguém se lembra do passado”. Contudo, mais do que uma viagem didática pelo tempo, a proposta é de uma viagem estética em que o passado é reencenado aos nossos olhos e as pinturas ganham movimento na diversidade de novas perspectivas.

Afinal, o fluxo temporal se revela de modo diferente para um e para outro. Enquanto o narrador-ponto-de-vista que nos guiou por todo o caminho manteve-se sempre na retaguarda, acentuando as profundidades de campo, o senhor mestre de cerimônias esteve a um passo de se envolver com os personagens na tecitura da História, quando não o fez. O que restou do velho homem, portanto, foi a nostalgia de um fim de baile e o pedido para que fosse abandonado pela câmera-narrador, ao passo que esta última, sempre no fluxo do plano-seqüência e mantendo a distância equivalente a de um freqüentador do Hermitage, pôde continuar no tempo. “Acabou”, “Adeus, Europa”. Afinal, os bailes, os galanteios, as questões políticas, a mesa farta e a nobreza em seu entorno eram histórias. Nosso olhar deixa para trás a encenação da aristocracia e o colorido de outros tempos. Se o cinza de agora traz uma idéia fixa da morte, por outro lado, “estamos condenados a navegar eternamente”, pois, como constatou o narrador, “o mar cerca tudo”.


Arca Russa (Russkiy Kovcheg), Rússia/Alemanha, 2002,
Direção: Aleksandr Sokurov
Roteiro: Boris Khaimsky, Anatoli Nikiforov e Aleksandr Sokurov
Direção de Arte: Natalya Kochergina e Yelena Zhoukova
Fotografia: Tilman Büttner
Figurino: Maria Grishanova, Lidiya Kryukova e Tamara Seferyan
Montagem: Stefan Ciupek, Sergei Ivanov e Betina Kuntzsch
Música: Sergei Yevtushenko
Elenco: Sergei Dontsov, Mariya Kuznetsova, Leonid Mozgovoy, David Giorgobiani, Aleksandr Chaban, Maksim Sergeyev, Anna Aleksakhina, Konstantin Anisimov, Aleksei Barabash, Vladimir Baranov, Valentin Bukin, Kirill Dateshidze, Yuli Zhurin, Natalya Nikulenko

segunda-feira, julho 23, 2007

LISTAS DOS FILMES VISTOS ENTRE ABRIL E JUNHO DE 2007

Scoop – o grande furo, Woody Allen (2006, EUA / Inglaterra) Match Point tornou a expectativa do próximo filme de Woody Allen ainda maior. Não sei se é pela proximidade temporal com o filme anterior, mas Scoop, ainda que bem engraçado, é um filme inferior do cineasta.
Ludwig, Luchino Visconti (1972, Itália/França/Alemanha) Ver texto sobre a trilogia alemã.
Obsessão, Luchino Visconti (1943, Itália) Um dado interessante é a inversão da concepção voyeuristica da mulher como objeto do olhar masculino, quando a câmera invasiva se aproxima e flagra Gino e não Giovanna. O que, de certo modo, condiz com os interesses de Visconti.
Corpos Ardentes, Lawrence Kasdan (1981, EUA) Noir revisitado.
O Destino Bate à Sua Porta, Tay Garnett (1946, EUA)
O Destino Bate à Sua Porta, Bob Rafelson (1981, EUA) Jack Nicholson e Jessica Lange explodindo em erotismo. Roteiro de David Mamet, adaptado do livro de James Cain, The Postman always rings twice.
Pacto de Sangue, Billy Wilder (1944, EUA) Roteiro de Billy Wilder e Raymond Chandler, também baseado em The postman always rings twice, de James Cain. Os créditos falam por si. Filmaço!
Sunshine – Alerta Solar, Danny Boyle (2007, Inglaterra) Sunshine expande o tempo e capta o instante em nome de uma experiência sensória diante do sol, permitindo ao espectador compartilhar da crise existencial do espaço. Danny Boyle, mais uma vez, colocando personagens em situações-limite. Imperdível!
Homem-Aranha 3, Sam Raimi (2007, EUA) Esta seqüência tem um roteiro interessante, mas é bem fraca em relação aos filmes anteriores.
Sin City, Robert Rodriguez e Frank Miller (2005, EUA)
A Nouvelle Vague por ela mesma, Robert Valey e André Labarthe (1995, França) Declarações e sentenças de quem fez a nouvelle vague (Godard, Rohmer, Truffaut, Chabrol). O que me marcou foi ver Jacques Rivette afirmando que a nouvelle vague foi, por definição, autodestrutiva.
Cartola, Lírio Ferreira e Hilton Lacerda (2006, Brasil) O mais interessante desta biografia é que ela nada contra a corrente do que se costuma esperar de um documentário biográfico. Um caleidoscópio de colagens de formas e conteúdos.
Proibido Proibir, Jorge Durán (2006, Brasil / Chile) Ver texto sobre o filme.
Baixio das Bestas, Cláudio Assis (2007, Brasil) Ver texto sobre o filme.
Profissão: Repórter, Michelangelo Antonioni (1975, França/Itália) The Passenger, no original. É por filmes como esse que Antonioni tem a garantia de eternidade de sua filmografia. Destaque para o plano-sequência extremamente bem feito e que por isso mesmo vive suscitando debates a respeito da forma como foi feito.
Lolita, Stanley Kubrick (1961, EUA)
No tempo das diligências, John Ford (1939, EUA)
A Hora e a Vez de Augusto Matraga, Roberto Santos (1965, Brasil)
Alpha Dog, Nick Casavettes (2007, EUA) Bem fotografado e com excelente roteiro do próprio Nick, Alpha Dog expõe a ferida, não faz concessões moralistas e por isso merece um lugar de destaque no cinema americano. Excelente atuação de Justin Timberlake.
A Leste de Bucareste, Corneliu Porumboiu (2006, Romênia) A trama demora a empolgar, mas quando pega no tranco, fica muito interessante, principalmente por discutir um fato político e histórico com tanto humor e distanciamento. Ponto alto para a metáfora do desfecho.
Zodíaco, David Fincher (2007, EUA) O grande achado de Zodíaco é ser um filme de detetive que sabota a própria idéia da clássica narrativa detetivesca, cuja base para solução está sempre na interpretação racional das pistas, e abre o sentido no desfecho. Além de tudo, o trabalho técnico do filme é excepcional.
Noite de Estréia, John Casavettes (1977, EUA) A sensação de constante improviso teatral, na trama, coincide com os improvisos do cinema de Casavettes. E isso é muito bom. Gena Rowlands brilha!
Uma Mulher Sob Influência, John Casavettes (1974, EUA) Este filme não seria este filme sem Gena Rowlands.
Irreversível, Gaspar Noé (2002, França)
Paris, Te Amo, Olivier Assayas, Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu, Gurinder Chadha, Sylvain Chomet, Joel Coen e Ethan Coen, Isabel Coixet, Wes Craven, Alfonso Cuarón, Christopher Doyle, Richard LaGravenese, Vincenzo Natali, Alexander Payne, Bruno Podalydès, Walter Salles e Daniela Thomas, Olivier Schmitz, Nobuhiro Suwa, Tom Tykwer, Gus Van Sant e Emmanuel Benvihy (2006, França/Alemanha/Liechstenstein/Suíça)
Cão Sem Dono, Beto Brant e Renato Ciasca (2007, Brasil) Ver texto sobre o filme.

quarta-feira, julho 18, 2007

TRANSYLVANIA, de Tony Gatlif

Imagens da estrada vistas em travelling. No intervalo entre os travellings, no momento em que o olho consegue captar algo dos rápidos movimentos, vemos pessoas paradas num plano aberto para depois vê-las em close. Novamente o travelling e a alternância com as pessoas e close delas. Em Transylvania, já de início busca-se uma identidade, Zingarina busca algo que está além do pretexto em sair do sul da França para procurar o namorado que a deixou. Afinal, depois de sabermos que Milan, o namorado, abandonou Zingarina, e não foi deportado, como ela pensava ter acontecido, começa a parecer provável o auto-engano inconsciente empreendido pela personagem para que pudesse fugir ou buscar um encontro em outras terras. Milan fica, portanto, como uma peça sem importância na trama, uma fagulha para algo maior.

O algo maior é a música, a liberdade, o nomadismo e as incertezas, componentes que passarão a fazer parte da vida de Zingarina. As músicas, por exemplo, quase todas compostas por Tony Gatlif, diretor também de Exílios, quase se excedem em tentar transbordar a musicalidade do povo romeno, aproximando-se de uma visão quase caricata, ainda que Gatlif seja descendente de ciganos. É a mesma constante musical que incomoda Zingarina e a amiga Marie, no início da viagem. Mais tarde, Zingarine abandona Marie e assimila a musicalidade cigana na própria personalidade. Em todo o filme, a música cumpre a função de exorcizar tristezas ou celebrá-las para esquecê-las. Em contrapartida à esta música popular como expressão, a música sacra é usada para exorcizar o que há de “mau” em Zingarina quando esta visita um templo religioso. O que se tenta exorcizar ali é a vontade de liberdade e de vampirismo desterritorializado e destemporalizado na terra do conde Drácula.

No meio da viagem, Zingarina encontra Tchengalo, outro nômade que comercializa ouro e prata. Se por um lado, a identidade franco-italiana de Zingarina, se é que essa identidade chegou a se solidificar, é questionada por Tchengalo: “Quem é você? Não posso imaginar de onde você vem.”, Zingarina também, quando confunde um outro homem com Milan, ao dizer que todos são iguais, recebe a resposta de que “somos todos da mesma família, ciganos, romenos e húngaros”. De fato, quando já está prestes a parir o filho concebido na França com Milan, chama este de bastardo sem se dar conta de que, na verdade, o bastardo seria seu filho. Não fosse o sentimento de irmandade, já declarado pelos romenos, o filho que nasce não estaria sendo adotado por Tchengalo, outro nômade e agora pai por afeto.

A liberdade tem um preço. Ao final, quando Tchengalo chega para ver Zingarina e o filho recém-nascido e não os encontra, o temor é de que o nomadismo dela tenha ultrapassado a vontade de viver junto. Ele se vale das lembranças para trazer Zingarina de volta, como quando compra o urso de brinquedo num bar. Entretanto, Tchengalo volta novamente ao lugar onde Zingarina estava e a encontra, munida de um sorriso que o recompensa pelo retorno ao lar. Fica a vontade do espectador de que tudo não passasse de um sonho, que o sorriso fosse real e a leveza do ser fosse mesmo insustentável. Mas fica também a possibilidade de uma vida sem raízes, sem amarras, fugidia. Um elogio à liberdade.
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Destaque para a direção, para a fotografia e para as atuações de Asia Argento e Biron Ünel, além das músicas, que deixam os espectadores batendo os pés nos créditos finais.

Transylvania (Transylvania), França, 2006, 103min
Direção e roteiro: Tony Gatlif
Fotografia: Céline Bozon
Montagem: Monique Dartonne
Música: Tony Gatlif e Delphine Mantoulet
Elenco: Asia Argento, Biron Ünel, Amira Casar, Alexandra Beaujard, Marco Castoldi

domingo, julho 01, 2007

CÃO SEM DONO, de Beto Brant e Renato Ciasca

“Seja mágoa, seja felicidade, toma-me às vezes o desejo de me abismar. A manhã (no campo) está cinzenta e fresca. Sofro (de não sei que incidente). Uma idéia de suicídio se apresenta, pura de todo ressentimento (nenhuma chantagem contra ninguém); é uma idéia insípida; não rompe nada (não ‘quebra’ nada), combina com a cor (com o silêncio, com o abandono) desta manhã”. (Roland Barthes, em alusão à Werther, de Goethe, em fragmentos de um discurso amoroso)

Enquanto estava diante da projeção de Cão Sem Dono, já pensava no que fazer depois do filme. Achei que deveria sair sozinho e sentar numa mesa de bar para ficar pensando. Esse foi o efeito do filme do Beto Brant e do Renato Ciasca, baseado no livro do Daniel Galera. Toda a situação do Ciro, o personagem central da trama, criou uma forte empatia porque fala aos contemporâneos – pela dificuldade de entrar na fase adulta e se estabilizar financeiramente a fim de pagar as contas – , ao mesmo tempo em que trata de um tema universal – a melancolia e a constante falta de vontade de se levantar da cama. As reações de Ciro à vida lembram a indiferença do personagem de Camus, em O Estrangeiro. Ciro, no futuro, talvez não soubesse precisar o dia em que a mãe morreu. Ciro mora sozinho, mas é sustentado pelos pais enquanto tenta arrumar trabalho. Recém-formado em literatura, rejeita os trabalhos de tradução que recebe porque se sente pouco valorizado. Marcela, a linda namorada, recebe dele menos do que deveria. Ele até gostaria de ter o coração em descompasso, como escreve em papéis avulsos, numa tentativa de fazer um poema, mas seu ritmo é o da batida perfeita.

A luz natural em todo o filme – o que deixa o filme muito mais interessante – e a câmera tremida condizem com a falta de transcendência de Ciro. O realismo de Cão Sem Dono está também na encenação (ou, na falta de), nas falas quase improvisadas, meio à la Cassavettes, e na captação dos momentos íntimos de Ciro e Marcela, seja nos planos mais abertos ou nos closes.

Em Cão Sem Dono pouca coisa acontece. A falta de projeto de Ciro é sinal dos tempos. Para Ciro, entretanto, assim como os projetos futuros, o presente também é ausente. Não se vive nem o agora nem o depois. É o niilismo total. E a coincidência foi assistir no dia seguinte a Dias de Nietzsche em Turim, do Júlio Bressane. Foi deprimente ver imagens reais de Nietzsche em seu breve período de loucura, antes da morte.

Cão Sem Dono dá uma chance a Ciro, apesar de tudo.


Cão Sem Dono, Brasil, 2007, 82min
Direção: Beto Brant e Renato Ciasca
Roteiro: Marçal Aquino, Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro “Até o dia em que o cão morreu”, de Daniel Galera
Fotografia: Toca Seabra
Montagem: Manga Campion
Elenco: Júlio Andrade, Tainá Muller, Luiz Carlos V. Coelho, Marcos Contreras, Roberto Oliveira, Sandra Possani

terça-feira, maio 22, 2007

BAIXIO DAS BESTAS, de Cláudio Assis

Dada a rejeição dos amigos ao novo filme do Cláudio Assis, tive que ir sozinho ao cinema. Quando sentei na poltrona, comecei a pensar em tudo de ruim que poderia ser projetado na tela dentro de alguns minutos e pensei que eu não deveria ter ido ver Baixio das Bestas porque não estava num bom dia. Daí veio o filme. Estética maravilhosa: da fotografia, passando pela decupagem bem feita até os enquadramentos virtuosísticos. Ta bom. Pensei: hmmm, deve ser um contraponto com o que vem por aí. E o filme seguiu na bela fotografia e nos belos enquadramentos. Depois percebi a história paralela que o roteiro elaborou: de um lado a virgindade de Auxiliadora (Mariah Teixeira, uma atriz de vinte e poucos anos que interpreta uma menina de 13) e seu avô Heitor (Fernando Teixeira), vendendo aos caminhoneiros a imagem virginal da neta, explorando o corpo imaculado da menina pela visão das hienas (é essa a idéia que vem quando vemos a forma como a imagem foi concebida, a presa no meio, as hienas ameaçando o ataque e a câmera por trás de tudo). No outro paralelo da narrativa, Cícero (Caio Blat) e Everardo (Matheus Nachtergaele) se esbanjam em cenas de crueldade e de sexo, as duas coisas quase sempre interligadas porque Cláudio Assis é sádico. E, num outro núcleo, as prostitutas (muito bem interpretadas) Bela (Dira Paes), Ceiça (Marcélia Cartaxo) e Dora (Hermila Guedes, que nos créditos finais aparece como Hermylla).

As prostitutas encontram os homens, os homens encontram as prostitutas e assim vai. A menina Auxiliadora, no entanto, passa todo o filme numa história paralela. Ora, cercada pelas hienas, ora pelo avô explorador, ora sozinha, voltando com a roupa que lava à beira do rio. Cícero, que é filho da prefeita da cidade, ouviu falar da menina e a viu algumas vezes. Cícero é um menino mimado e perverso, estuda na cidade grande, acha que pode tudo e quer a virgindade de Auxiliadora. Toda essa possibilidade de encontro fica em suspenso até o fim do filme. Até lá, vemos as situações de perversão e maldade humana que Cláudio Assis vê como inerente a quase todos os terrestres. E, tal qual um Lars Von Trier, ele gosta de mostrar o sadismo (claro que num conteúdo muito mais explícito do que o do dinamarquês), como na cena em que a prostituta Bela é estuprada com um pedaço de pau. O fato de isso ser mostrado através de sombras torna a coisa um pouco tosca. Já a cena em que Dora é estuprada e espancada na cama tem um quê de Gaspar Noé, em Irreversível.

Pois bem, à parte as centenas de vezes em que Cláudio Assis foi chamado de misógino (o próprio confessou numa entrevista que no roteiro de Hilton Lacerda havia uma cena mais explícita de homossexualismo entre homens e ele se encarregou de cortá-la, ao passo que no filme as mulheres são constantemente humilhadas), enfim, tudo isso descontado, a questão é que o filme do Cláudio Assis passou para mim como algo insosso. E isso é grave. Ou para ele ou para mim. Fazer um filme com um elenco daqueles (os atores estão muito bem), com uma estética daquela e terminar fraco desse jeito... Ah, e eis que Cícero encontra Auxiliadora. Não da melhor forma, claro.
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p.s.: Eu sabia que esse negócio de comprar poltrona numerada ia dar problema. Com as luzes já apagadas, a sujeita adentra a sala com mais duas pessoas e aborda, com arrogância, uma senhorinha, que está sentada: "Com licença, eu comprei essas três poltronas!" O poder corrompe...


Baixio das Bestas, Brasil, 2007, 90min
Direção: Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Fotografia: Walter Carvalho
Montagem: Karen Harley
Elenco: Mariah Teixeira, Fernando Teixeira, Caio Blat, Matheus Nachtergaele, Dira Paes, Marcélia Cartaxo, Hermila Guedes

sábado, maio 19, 2007

LISTA DOS FILMES VISTOS ENTRE JANEIRO E MARÇO DE 2007

O tamanho da lista é proporcional à minha frustração por não ter conseguido escrever sobre estes filmes. Falta de tempo... Segue:

Os Idiotas, Lars Von Trier (1998, Dinamarca)
Você é Tão Bonito, Isabelle Mergault (2005, França)
Os Trapaceiros, Woody Allen (revisão) (2000, EUA) Crítica hilária e quase amarga sobre a cafonice que os novos ricos levam atrelada à ascensão financeira e social
Butch Cassidy, George Roy Hill (1969, EUA)
O Bandido da Luz Vermelha, Rogério Sganzerla (1968, Brasil)
Carmen, Jean-Luc Godard (1984, França)
Vidas Secas, Nelson Pereira dos Santos (1963, Brasil)
O Passageiro, Flávio Tambellini (2007, Brasil) O filme passou batido, mas merecia uma análise mais detalhada. Principalmente por abordar com fidelidade a classe média alta da zona sul do Rio.
Ladrão de Casaca, Alfred Hitchcock (1955, EUA)
Mais Estranho que a Ficção, Marc Forster (2006, EUA)
O Invasor, Beto Brant (revisão) (2001, Brasil)
Limite, Mário Peixoto (1931, Brasil) Obra-prima. Dos enquadramentos, passando pela fotografia até as Gymnopédies, de Satie.
Terra Estrangeira, Walter Salles e Daniela Thomas (revisão) (1995, Brasil)
A Lira do Delírio, Walter Lima Jr. (1978, Brasil)
São Paulo S/A, Luis Sérgio Person (1965, Brasil)
Volver, Pedro Almodóvar (revisão) (2006, Espanha) Penélope Cruz arrebata graças a grande direção de Almodóvar. Apesar de toda a anunciação das retomadas do diretor, esse não é um de seus melhores filmes.
2046, Wong Kar-Wai (revisão) (2004, China, Hong Kong, França, Alemanha) Não adiantou tentar mais uma vez. Simplesmente não me envolvi com o filme, apesar de considerar louvável a abordagem estética.
Pequena Miss Sunshine, Jonathan Dayton e Valerie Faris (revisão) (2006, EUA)
O Novo Mundo, Terrence Malick (2005, EUA) Trabalho impecável de fotografia, montagem e trilha sonora baseada em Wagner. Só não me convence a história da Pocahontas e a chegada da "civilização".
O Céu de Suely, Karim Ainouz (revisão) (2006, Brasil) Roteiro simples, com a atuação de Hermila Guedes, mais fotografia arrebatadora resultam num filme belíssimo.
Árido Movie, Lírio Ferreira (revisão) (2006, Brasil)
O Labirinto do Fauno, Guillermo del Toro (2006, México, Espanha, EUA) A fantasia se torna mais interessante quando tem como pano de fundo um contexto político de tanta adversidade. É uma pena que o vilão seja tão mau e sem nuances.
Os Infiltrados, Martin Scorsese (revisão) (2006, EUA)
A Rainha, Stephen Frears (2006, Reino Unido, França, Itália) Ver texto sobre o filme.
Boa Noite e Boa Sorte, George Clooney (revisão) (2005, EUA) Um dos melhores de 2006. Ver texto sobre o filme.
Match Point, Woody Allen (revisão) (2005, Reino Unido, EUA, Luxemburgo) Woody Allen teve um insight com um roteiro tão original e um filme tão bem executado. Além disso, mudou de clima. E isso foi muito bom.
Uma Mulher é Uma Mulher, Godard (1961, França) Godard sempre vai me fascinar pela metalinguagem e pela relação promíscua que seu cinema tem com a literatura. Mais uma obra de gênio.
Borat, Larry Charles e Sacha Baron Cohen (2006, EUA) Eu ria no cinema, mas com um certo pudor. Afinal, Borat é politicamente incorreto. E isso rende grandes discussões.
Amigas com Dinheiro, Nicole Holofcener (2006, EUA) Não é um filme de mulherzinha, tampouco um filme pipoca. É o cinema independente americano que infelizmente foi julgado pelo título.
Um Dia Muito Especial, Ettore Scola (1977, Itália) História amarga sobre o fascismo. E minha admiração por Mastroianni aumenta cada vez mais.
Swimming Pool, François Ozon (revisão) (2003, França, Reino Unido) Ozon continua sendo um dos meus diretores preferidos no cinema contemporâneo. A dupla perfeita Charlotte Rampling - François Ozon se repete no inesquecível Sob a Areia.
Marcas da Violência, David Cronenberg (revisão) (2005, EUA) Um dos melhores filmes de 2005. Ver texto sobre o filme.
Uma Adolescente de Verdade, Catherine Breillat (França, 2000) Roteiro fraco que tenta se sustentar nas repetidas cenas de uma bela nudez virginal. O desfecho surpreendente vem tarde demais.
Djomeh, Hassan Yektapanah (2000, França, Irã) Estou descobrindo que gosto de filmes iranianos. O tempo deles possibilita uma absorção menos apressada. Djomeh tem um roteiro simples e bonito e imagens para contemplação.
O Fundo do Mar, Damian Szifron (2003, Argentina) Excelente roteiro, boas atuações e com um clima de Abraço Partido. Tem tudo para ser um sucesso se for lançado aqui.
A Grande Viagem, Ismael Ferroukhi (2005, França, Marrocos) Esse franco-marroquino é clichê, muitos disseram. Um road movie e a mudança interna do protagonista ao longo da viagem. Mas clichês, às vezes, são muito bons. Este é um.
Pai e Filho, Aleksandr Sokurov (2003, Rússia, Alemanha, Itália, Holanda) Ver texto sobre o filme.
Samurai Fiction, Hiroyuki Nakano (1998, Japão) Linguagem pop que funciona até certo ponto. Depois as piadas começam a se repetir e a sensação é a de que o filme não vai acabar.
A Verdade Nua, Atom Egoyan (2005, Canadá, Inglaterra) Boa atuação de Kevin Bacon. Coleção de clichês e tentativas de criar clima de suspense a partir de uma trilha sonora irritante e constante.
Viva Argélia!, Nadir Moknèche (2004, Argélia, França) O diretor é chamado de "Almodóvar da Argélia". Não é pra menos: mesmo num filme político e com um clima tenso de guerra a personagem que interpreta a prostituta rende cenas hilárias.

quarta-feira, maio 02, 2007

PROIBIDO PROIBIR, de Jorge Durán

Int. Unibanco Artplex - Noite

Meia hora antes da sessão de Proibido Proibir, no celular com um amigo.
O amigo:
"Po, cara, não sei se vai dar pra chegar aí a tempo, mas quero muito ver esse filme, quero ver os caras que em vez de ir refletir no Arpoador, vão para a sujeira da Baía de Guanabara". (Não entendi a frase até então).

Sei que ao longo de toda a projeção eu pensava: "Ai meu deus, esse filme tá muito bom, to sentindo que vou ter uma decepção no final. Tomara que vá assim até o fim...". E, para minha felicidade, no plano final, pensei: "É um dos melhores filmes do ano e um dos melhores brasileiros dos últimos anos". Pode ser exagero meu, e quem ainda não assistiu vai criar muita expectativa, mas Jorge Durán estava muito inspirado quando filmou Proibido Proibir.

Durán juntou três jovens e talentosos atores e deu a eles personagens estudantes da UFRJ: Caio Blat como Paulo, estudante de Medicina, Maria Flor como Letícia, estudante de Arquitetura e Alexandre Rodrigues como Leon, estudante de Ciências Sociais. O cenário do espaço público é o lugar perfeito para uma amostragem do Brasil e do Rio de Janeiro: as salas de aula, o hospital universitário, a Baía de Guanabara poluída, como pano de fundo da Ilha do Fundão, o cenário dos protagonistas. Por outro lado, o cenário ainda mais degradado da Baixada Fluminense, quando Paulo decide ajudar uma paciente do hospital, tentando localizar seus filhos. É assim que Paulo, Leon e Letícia mergulham no contraste social. Aqui, o que poderia ser mais uma leitura clichê da favela, ganha um tom de realidade impressionante. Esse foi um dos méritos de Durán: filmar a precariedade das favelas com personagens reais. O tom documental no depoimento de moradores soaria falso não fosse a continuidade da uma boa direção e dos bons diálogos entre Leon e a amiga de faculdade Ritinha, ora empenhados em mudar a situação social de pobreza, ora em tom de desespero com a falta de perspectiva.

Paralelo aos problemas sociais, o namoro entre Letícia e Leon é ameaçado pelas investidas de Paulo, que divide apartamento com Leon. Na parede da casa, que logo se tornará o cenário principal quando o foco do filme fecha nos três personagens, as referências são a pintura "A lição de anatomia", de Rembrandt, onde cientistas dissecam o corpo de um marginal que foi condenado à morte, e um pôster de O Invasor, de Beto Brant, para lembrar que, apesar da trama paralela de romance, estamos num mundo cão. São os personagens que repetem que "tá tudo podre".

Nem passa pela cabeça fazer analogia de Proibido Proibir com Jules et Jim ou Os Sonhadores (neste último a luta política dos personagens é mais por voluntarismo), pois no filme de Durán a violência social grita no pé da orelha dos três e atinge cada um. Afinal, somos cariocas, por conseqüência kamikazes, e bem sabemos o risco que corremos todos os dias. Letícia até chega a achar que o telhado das casas na Vila da Penha é parecido com os vistos no cinema francês, mas isso é no início, quando tudo vai bem. Francês mesmo só a frase "Proibido Proibir", pichada nos muros do longínquo 68. Longínquo pela própria deturpação que Paulo faz da frase, usada agora somente para a liberdade do sexo e das drogas.

O cinema de Durán é o espaço privilegiado da reflexão. Só aqui a crítica à uma imprensa de classe média que faz vista grossa para o que acontece nos espaços marginais da cidade, só aqui vemos pichado o CV que os jornais não noticiam mais.

A vontade e a necessidade de fuga dos três difere de um final moralista de fragmentação do amor. Ainda assim, é o precário que permanece. É a Baía de Guanabara que "serve" de vista. Está tudo podre. É o amor que resta.

Proibido Proibir (Proibido Proibir), Brasil/Chile, 2006, 100min
Direção: Jorge Durán
Roteiro: Jorge Durán e Dani Patarra
Edição: Pedro Durán
Fotografia: Luís Abramo
Elenco: Caio Blat, Maria Flor, Alexandre Rodrigues, Edyr Duqui, Raquel Pedras, Adriano de Jesus, Luciano Vidigal

terça-feira, abril 17, 2007

A TRILOGIA ALEMÃ (Os Deuses Malditos, Morte em Veneza e Ludwig), de Luchino Visconti

Nas últimas semanas meu tempo livre se reduziu absurdamente. Por isso, a freqüência de textos com intervalos ainda maiores. Tenho ido pouco ao cinema também. A idéia para escrever acaba vindo às vezes dos textos que ando lendo para as aulas. Foi assim que comecei a pensar nessa trilogia alemã do Visconti. O texto a que me refiro chama-se "Prazer visual e cinema narrativo"*, da teórica e cineasta Laura Mulvey, publicado na revista Screen, em 1975.

O texto de Laura Mulvey trabalha com a idéia da mulher como objeto do olhar masculino dentro do cinema clássico narrativo. Pela minha experiência como espectador, considero que toda a argumentação de Mulvey, mais do que uma teoria, é uma constatação. Quase todos os filmes a que assisti, produzidos na Hollywood dos anos 30 e 40, colocam a mulher numa posição de objeto. Mulvey diz que o voyeurismo é tão forte que quando esta mulher-objeto está na tela, seja pelo olhar de um narrador ou pela perspectiva de um personagem, a narrativa fica suspensa. O close numa face feminina ganha um caráter de close desnarrativo.

A questão é que nestes últimos dias aluguei Ludwig, filme de Luchino Visconti que narra a história do rei da Bavária, um suposto louco que construiu castelos suntuosos pela Europa e, por amor à arte, bancou todos os luxos do compositor Richard Wagner. Ludwig está na trilogia alemã, junto com Morte em Veneza, baseado no romance de Thomas Mann, e Os Deuses Malditos. O primeiro assisti num VHS emprestado por uma amiga há uns três anos e depois comprei o DVD e o segundo, no Odeon, durante a mais recente edição do Festival do Rio.

Até agora não falei da trama de cada filme. E nem pretendo. Ainda que louve a filmografia do Visconti, o que me interessou foi perceber que o diretor subverte os argumentos de Laura Mulvey. Visconti coloca no centro de seus filmes a figura masculina, o homem-objeto. Diferente da mulher-objeto, no entanto, o homem-objeto de Visconti é objeto passivo somente sob a perspectiva do olhar do espectador, do voyeur. Na trama, o diretor explora a virilidade. Dos quase 20 filmes dirigidos por Visconti, assisti a 10. Em sete destes percebo o homem no centro da tela. Visconti é, portanto, um dos primeiros diretores a extrapolar sua sexualidade para as telas. Se em Morte em Veneza temos o amor velado e não consumado do músico Aschenbach pelo menino Tadzio, em Os Deuses Malditos e Ludwig as cenas de nu masculino e orgias em que somente homens freqüentam não passam desapercebidas. A ambigüidade de Morte em Veneza, interpretado muitas vezes a partir da idéia de amor à juventude, não se efetiva nos dois outros filmes da trilogia. O cinema de Visconti está marcado pelo homoerotismo, nas entrelinhas ou explícito. Cabe saber se a decadência que percorre quase todo o cinema viscontiano tem alguma relação com seus personagens homossexuais. Ou se, ao contrário, a decadência é sintoma de uma sociedade moralista que não aceita o amor que não ousa dizer seu nome. Sem falar do incesto em Os Deuses Malditos.

Por fim, a partir de um senso comum de que a libido masculina, muito mais que a feminina, se dá principalmente por estímulo visual, só posso concluir que todo o fetiche e o erotismo focados no personagem masculino viscontiano tem um alvo certo quando se trata do prazer visual: o homem.

p.s.1:Os meninos do cinema viscontiano: Helmut Berger, com quem o diretor teve um longo relacionamento, Alain Delon, Massimo Girotti, entre outros.

p.s.2: Nobre italiano, Visconti levou para as telas sua convivência com a classe de sangue azul e mostrou sua decadência na Europa. Pensador esquerdista, o mesmo Visconti captou magistralmente os menos abastados em filmes como Rocco e Seus Irmãos e Belíssima.

p.s.3: Dois temas explorados por Visconti no contexto e nos personagens: a decadência e a melancolia.

* Laura Mulvey. In: A experiência do cinema. Ismail Xavier (org.). Rio de Janeiro: Graal, 1983.

Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei), Itália/Alemanha, 1969, 157min
Diretor: Luchino Visconti
Roteiro: Nicola Badalucco, Luchino Visconti e Enrico Medioli
Fotografia: Pasqualino De Santis e Armando Nannuzzi
Edição: Ruggero Mastroianni
Música: Maurice Jarre
Elenco: Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger

Morte em Veneza (Morte a Venezia) Itália/França, 1971, 130min
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti e Nicola Badalucco, baseado no romance homônimo de Thomas Mann
Fotografia: Pasqualino De Santis
Edição: Ruggero Mastroianni
Música: 3ª e 5ª sinfonia de Gustav Mahler
Direção de arte: Ferdinando Scarfiotti
Elenco: Dirk Bogarde, Björn Andrésen, Silvana Mangano, Marisa Berenson

Ludwig (Ludwig) Itália/França/Alemanha, 1972, 247min
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti, Suso Cecchi D´Amico, Enrico Medioli
Fotografia: Armando Nannuzzi
Edição: Ruggero Mastroianni
Música: Jacques Offenbach, da ópera "La Périchole"
Elenco: Helmut Berger, Trevor Howard, Silvana Mangano, Romy Schneider

sábado, março 03, 2007

PAI E FILHO, de Aleksandr Sokurov

Faz uma semana que assisti a Pai e Filho. Mesmo assim, com o filme ainda recente na cabeça, fui revê-lo na mostra Inéditos do Rio, no CCBB. Fui porque é sempre bom rever um bom filme, fui por conta de uma crítica detalhada de Régis Trigo, no site Cineplayers e fui também em decorrência de uma palestra do Luiz Fernando Carvalho, diretor de Lavoura Arcaica, filme de uma estética próxima a de Sokurov. Indagado por mim sobre um possível diálogo com os filmes de Sokurov, Luiz Fernando preferiu citar Tarkovski, de quem Sokurov também é um pouco tributário.

Pai e Filho é um filme polêmico aos olhos ocidentais, talvez. Antecedida por um gemido enquanto a tela ainda está escura, a primeira imagem é a de dois corpos masculinos em atrito. Em seguida, um plano aberto revela que o pai abraça o filho logo após este ter tido um pesadelo. Já da sua apresentação em Cannes o filme vem trazendo interpretações de uma relação homoerótica entre pai e filho. Uma declaração de Sokurov, no livro Aleksandr Sokurov, da Cosacnaify, organizado por Álvaro Machado, parece tratar de uma incompatibilidade de visão entre ocidente e oriente: "Comecei a experimentar certo arrependimento [após ter estimulado a exibição de seus filmes na Europa e na América] porque às vezes, no Ocidente, observo reações muito estranhas. Por exemplo, alguém gargalhando na platéia. É claro que eu compreendo que os ocidentais são muito diferentes e, ao mesmo tempo, muito solitários. Muito mais solitários que a gente da Rússia. Eu diria mesmo mais enfermos espiritualmente, com sistemas morais obviamente muito diversos daqueles da Rússia". É curiosa essa declaração. Foi exatamente o que aconteceu na minha sessão. Dois senhores se levantaram, deram uma gargalhada e saíram do cinema. Nos primeiros 30 minutos, cerca de dez pessoas deixaram a sala.

Visto com mais apuro, percebe-se que o isolamento em que o diretor coloca os dois personagens é um fator importante para a narrativa. Não são muitos os momentos em que os dois personagens interagem com terceiros. Aleksei é o filho que estuda medicina nas forças armadas. Seu pai também pertenceu às forças armadas e agora, viúvo, passa o dia sozinho. Sua condição é sempre esperar pela chegada de Aleksei. A relação provoca ciúmes na namorada de Aleksei, que logo o abandona. Este e outros poucos acontecimentos interferem na trama. Entretanto, as imagens hipnóticas, as pausas silenciosas e os diálogos entre Aleksei e seu pai dilatam a narrativa de Pai e Filho. Um clima melancólico e, ao mesmo tempo, onírico percorre todo o filme. A belíssima luz no interior da casa - um amarelo que assume um tom esverdeado em alguns momentos - reflete nos corpos um eterno crepúsculo que os coloca em outro plano (no passado ou num sonho). As imagens distorcidas, que no início caracterizavam o sonho de Aleksei, agora aparecem como um filtro anti-realidade, distorcendo uma ladeira da cidade por onde passam Aleksei e um amigo, depois de descerem do bonde. A trilha sonora diegética vem de um rádio antigo, som mono sempre em volume baixo, tocando Tchaikovsky ou as canções compostas para o filme por Andrey Sigle, baseadas na obra do compositor. Pai e Filho é um filme para poucos, pois privilegia a composição da imagem em detrimento de uma trama.

A cena: o diálogo entre Aleksei e a namorada através de uma janela, no início do filme. O corte, a alternância entre os dois personagens e a alternância entre o olhar através do vidro e o olhar sem mediação causam vertigem.

A frase-chave: Aleksei pronuncia sem entender o significado: "O amor de um pai crucifica. Um filho amoroso deixa-se ser crucificado".

Toda a inexplicável nostalgia que emana do filme vem em parte pela locação: Lisboa.

Pai e Filho (Otets y Syn), Rússia/ Alemanha/ Itália/ Holanda, 2003, 83min Direção: Aleksandr Sokurov Roteiro: Sergei Potepalov Fotografia: Aleksandr Burov Montagem: Sergei Ivanov Música: Andrey Sigle Elenco: Andrei Shchetinin, Aleksei Nejmyshey, Aleksandr Razbash, Fyodor Lavrov, Marina Zasukhina