segunda-feira, agosto 25, 2008

OLHAR ESTRANGEIRO: O RELEASE DE "SHOW DE BOLA"


Reproduzo as pérolas do diretor Alexander Pickl para a divulgação do filme Show de Bola. Dispensa qualquer comentário. Diz o release:

"É claro que havia um problema de trabalhar com crianças da favela. Nunca tínhamos certeza se nossos atores principais compareceriam no dia seguinte para a filmagem. (...) Sempre tínhamos medo de que nossos atores principais entrassem numa briga de gangues e fossem mortos."

"Precisamos andar uma vez à noite ao longo da Av. Copacabana, caso queiramos ver qual o valor que tem o futebol no Brasil. Ali realmente cada centímetro quadrado está marcado para campos de futebol de praia. Milhares jogam futebol nesses lugares durante as 24 horas do dia. Em toda a parte. Na praia, nos fundos das casas, nas favelas. Ali, futebol é uma forma de ver o mundo"

"Muitas vezes éramos alvo de tiros. Uma vez fomos presos pela polícia militar e ameaçados pela máfia das drogas."

"Vimos tudo, até mesmo esquinas como a Villamimosa, que, como turista branco, realmente deveria ser evitada, se não quiser ser morto a tiros depois de 50 metros."

"Tínhamos ainda um outro contato com um expert, que atua como guia nas favelas e consegue extorquir muito dinheiro dos turistas."

"Na zona norte, um bairro onde fazem vodu, só nos foi pedido comprar um certo número de telhas, cimento e tábuas para que eles pudessem arranjar um pouco o seu negócio de vodu. Uma experiência bizarra."

"Pode acontecer de termos feito um acordo com um líder de uma favela, mas na semana combinada para a filmagem, este líder poderá não estar mais vivo. (...)Tudo é muito corrupto e arcaico nas favelas".

"Como pode ser visto muito bem no filme, vistas a distância, as favelas parecem colméias de abelhas. Em Cantagalo, uma das favelas, descobre-se, de muito longe, no meio desse favo cinzento, uma construção branca e muito alta, que se parece com aquilo que imaginamos ser uma vila de um barão das drogas da Colômbia."

"Um médico de Munique e meu amigo me contou que se parte de uma taxa de 100% de aidéticas entre as prostitutas."

"Não queríamos acreditar, mas no nosso giro noturno por uma zona rochosa, realmente vimos crianças das cavernas. Durante a noite, às 3 da manhã, vieram crianças de 7 anos de uma fdas cavernas, enroladas apenas em cobertas, pedindo-nos comida e capas de chuva e depois desapareceram novamente nas cavernas."

"Por sorte não existe cinema com estímulo olfativo. Em muitas favelas foi necessário juntar todas as forças para que a equipe toda não vomitasse sem parar. O mau cheiro era imenso."

"Deve-se entender que nas favelas a vida nem é tão ruim assim. Existe um senso comunitário bem forte e são as pessoas mesmas que se atendem. Criam um ou dois porcos em suas casa. Uma vez ao mês é carneado um porco, o que dá motivo para uma grande festa em toda a vizinhança."

"Estávamos absolutamente livres de preconceito e abertos para tudo o que podia ser visto e vivenciado"

Fonte: blog do Marcelo Janot

quarta-feira, agosto 20, 2008

ERA UMA VEZ


Embora minhas idas ao cinema não tenham rareado tanto como imaginei que seria nesse período de estudos, confesso que, de fato, o blog está abandonado. Aliás, às vezes tenho tempo para escrever comentários em outros blogs e não o tenho para escrever aqui. Então, aproveito o breve comentário que fiz sobre o filme Era Uma Vez, de Breno Silveira, no blog Máquina de escrever, do Luciano Trigo, publicando-o aqui:


Em Era Uma Vez há algo de ingênuo no modo de lidar com os desfavorecidos. A proposta seria coerente se o filme tivesse ficado mesmo naquele eixo shakespereano, num tom acima do real, como numa espécie de fábula, por exemplo, como toda a mídia anunciou (e também entregou toda a trama ao falar de Romeu e Julieta). De todo modo, o que transparece mais é uma vinculação àquele cinema utópico dos anos 60. Foi bonito, muito bonito, aquele cinema, mas para hoje fica difícil. As esquerdas perceberam que o “povo” não é uma massa esperando por um guia utópico, tal como faz Antônio das Mortes, em Deus e o Diabo na Terra do Sol e mais uma dezena de filmes (muitos, excelentes filmes) do Cinema Novo. A situação ficou bem mais complexa e parte do cinema contemporâneo se deu conta disso. Agora, uma coisa me intriga: será que dá para mudar o vocabulário (da visada utópica daquela época para a supostamente não-utópica capitalista do momento atual) sem questionar? Vamos aceitar tranquilamente a troca de “oprimido” por “excluído”? Será que nosso parâmetro vai ser sempre o do capitalismo e quem nao está nele, deve ser “incluído”? Ninguém mais é “oprimido” pelo sistema capitalista? É um desafio que perpassa o cinema contemporâneo brasileiro, este cinema terceiro-mundista que, não raras vezes, ainda se vê como ferramenta de transformação social (e eu assino embaixo, sem radicalismo e contemplando a variedade estética e política de filmes). Acho que o problema do filme, portanto, não passa só pelo meramente estético (se realista, se shakespereano etc), mas pelo que os cineastas têm que enfrentar em termos políticos para abordar a realidade contemporânea. Esse conflito, claro, acaba se revelando na estética do filme, como o problema da cena final (inverossímel), citada pelo Luciano Trigo. Quer dizer, o que parece é que o diretor oscilou entre o cinema utópico e o cinema atual e não soube resolver isso no texto fílmico. Talvez, se tivesse optado pelo registro utópico, poderia ter feito um filme mais marcadamente alegórico (até o faz com o clichê da cidade partida, de Zuenir Ventura), mas ficaria anacrônico, passadista. Querendo uma inserção no grupo de filmes que discutem a violência carioca (Cidade de Deus, Tropa de Elite, por exemplo), errou a mão e criou situações impraticáveis para um filme realista. Em suma, ficou difícil estabelecer com o espectador o pacto de ficção já que não acertou os ponteiros do relógio. Fora isso, o filme emociona, sim, e vale a pena ser visto pelo desafio em que se lança de compreender nosso estado atual.