sexta-feira, abril 30, 2010

terça-feira, abril 21, 2009

W., de Oliver Stone, e a guerra de Bush


Dois fatos me fazem remoer o já antigo post anterior deste blog, que tratou de dois filmes cujas abordagens focam a guerra de George W. Bush. O primeiro deles: o novo filme de Oliver Stone, W., sobre o já citado presidente norte-americano. Stone mostra ao espectador a trajetória do júnior, rebelde e mimado durante a juventude, apesar da austeridade do Bush pai. O que se disse por aí, na recepção do filme, foi que Stone nao conseguiu se colocar em um ou outro lado. Discordo. Nao acho que Stone tenha ficado em cima do muro, sua ironia é fina e, no mais, quem precisa criticar com sarcasmo pesado um presidente auto-sabotador? É só colocar as trapalhadas de Bush que a piada está feita, tal como ríamos das aparições do presidente russo Boris Yeltsin, invariavelmente bêbado em seus discursos. Enfim, piadas prontas.

Em outro sentido, o que me incomodou no filme de Stone é que todo o traçado de W. já é conhecido de quem acompanhou as notícias no período posterior ao 11 de Setembro. Se tínhamos a mídia (a FOX, por exemplo) endossando as declarações desencontradas de Bush e seus secretários, a CIA e os demais órgãos que teimavam em acusar sem provas, por outro lado, um pouco mais tarde, a imprensa mundial voltou com peso para desmascarar ou evidenciar os reais motivos da guerra. Dentre os quais, as reservas de petróleo, no Oriente Médio, aclarando, inclusive, o inexplicável ataque a outras regiões, quando o motivo oficial e declarado era a busca de Osama Bin Laden. É claro que W. é agradável, porque precisamos expurgar a ferida, ainda mais em tempos de Oba(ma)-oba(ma), mas parece mesmo que chega atrasado.

Em comparação a W., me parece que A morte de George W. Bush (Inglaterra, 2007), de Gabriel Range, é mais inventivo no que se refere a abordagem criativa da realidade, ao forjar o assassinato do presidente (embora não tenha assistido ao filme e não possa dizer se a realização é bem-sucedida, a premissa é bem interessante). Que fique claro: não estou sendo estúpido em dizer que filmes com personagens históricos devem ser feitos no calor da hora, do fato. Leituras, a posteriori, de fatos históricos é o que mais há, e com excelentes exemplos. Só tenho mesmo a impressão de que W. teria forte impacto em 2006 ou 2007, embora eu esteja injustamente desconsiderando questões relacionadas à logística e à produção do filme que o impossibilitariam de ser lançado antes no circuito.

Por outro lado, o segundo ponto que me faz retomar o post anterior, diz respeito à música ‘A Base de Guantánamo’, no novo disco de Caetano Veloso, Zii e Zie. Digo ‘por outro lado’ porque o ‘problema’ de obra que vem um pouco atrasada, caso de W., apareceu também numa entrevista coletiva dada por Caetano. Na matéria da Folha Online, o repórter Luiz Fernando Vianna afirma que a música “se arrisca à caduquice”, visto que Obama já começou o desmonte da base, em Cuba. Caetano responde: "A minha indignação não envelheceu, não pode nunca envelhecer. A canção não é uma notícia de jornal. Mas fico muito feliz de que, sob outro ponto de vista, ela fique, sim, obsoleta", afirma.

Caetano tem razão: tanto melhor que neste caso sua música fique obsoleta mesmo, assim como W., de Oliver Stone, nos apareça confortavelmente no passado. Porém, não se pode negar o impacto de Caminho para Guantánamo, de Michael Winterbottom, lançado em 2006, período em que mais se discutiam as censuras e as represálias impostas pelos Estados Unidos. Se há a clara prevalência de W. para não deixar esquecer um presidente que em muito contribuiu para a situação atual do mundo, por outro lado, filmes que aparecem na retaguarda dos acontecimentos poderiam ir além do espelho da realidade, buscando maior reflexão sobre o tema abordado, como faz Procedimento Operacional Padrão e Guerra sem cortes (ver post anterior). Ou, se feito no calor da hora, apresentar crítica mais contundente, como faz Caminho para Guantánamo. Afinal, nada contra os manifestos na arte. Só a favor. Eles são velhos conhecidos.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Festival do Rio 2008: Editando a guerra - De Palma e Errol Morris


Inscrevendo-se como registro posterior aos filmes que refletiram diretamente sobre a guerra do Iraque, cujo mote foi o de abordar as questões da guerra como fato (vide o excelente filme-manifesto Caminho para Guantánamo (2006), de Michael Winterbottom), Procedimento Operacional Padrão, de Errol Morris, e Guerra Sem Cortes, de Brian De Palma, intencionam uma reflexão sobre a guerra a partir das imagens que dela são veiculadas.

Em Procedimento Operacional Padrão, Morris traz à tona as fotos de Abu Ghaib, num episódio que mobilizou a imprensa do mundo inteiro menos pelas atitudes asquerosas dos soldados americanos e mais pela espetacularização em torno das fotografias registradas pelos próprios soldados. De fato, o que fica evidente no filme (e isso já sabemos antes dele) é que uma guerra, por mais violenta que seja, só é uma guerra quando reverbera na sociedade civil fora dela. E as atitudes para frear uma guerra decorrem do que se conhece sobre ela. Esse infelizmente é o veredicto de boa parte da mídia. Só existe o que está nas TV’s, na internet, nos rádios e jornais. Por isso, o burburinho em torno das fotos de Abu Ghraib.

O que torna o filme interessante é não propriamente a narrativa encadeada dos acontecimentos (o que já acompanhamos pelos jornais), mas as perguntas que o diretor faz às verdades estabelecidas a partir das imagens. Às verdades: os soldados fotógrafos argumentam em favor da liberdade de expressão e dos benefícios que estas evidências trouxeram para que o governo pudesse rever alguns procedimentos. Ao que o filme leva: toda a falação dos personagens envolvidos, tanto dos que fotografaram quanto dos que atuaram nos abusos às vítimas, vira um amontoado de depoimentos sem utilidade (em alguns momentos, inclusive, a intervenção do diretor se faz pela ironia, colocando ao fundo uma melodia melodramática enquanto uma das militares dá sua versão dos fatos).

Morris desestabiliza a idéia de que o registro em si já constituiria uma denúncia e nos leva a crer na possibilidade de soldados ingênuos (idiotas) terem feito as imagens sem pensar na ampla divulgação que as mesmas poderiam ter. Trocando em miúdos: faziam fotografias para usufruto e risos privados e desconheciam as implicações que estas acarretariam. Quase todos foram presos (os fotógrafos – eram três câmeras – e os que participaram diretamente das torturas e humilhações). Quase todos do baixo escalão. O que não resolve o problema da guerra e de Abu Ghraib. Ao final, confrontado com as fotografias de torturados e de um cadáver (este último, com direito a uma soldado apontando para o corpo, munida de um largo sorriso), um dos militares responsáveis pelo caso vê a série de fotos enquanto repete palavras como “abuso”. Diante de uma das fotografias mais conhecidas do caso, a que um iraquiano com um capuz posiciona-se sobre uma caixa, quase desmaiando de sono depois de muitas horas sem dormir, água no chão, braços abertos com dois fios amarrados a cada um dos dedos indicadores, tendo sido devidamente informado que se caísse no chão, morreria eletrocutado, pois bem, diante desta fotografia, o referido oficial responde a Morris: Isto é um procedimento operacional padrão. Questão: qual foi o alcance das imagens divulgadas? Em que colaboraram?


Em Guerra Sem Cortes, Brian De Palma ironiza nos letreiros iniciais ao marcar os eventos do filme como meramente coincidentes com qualquer realidade que possa vir a existir, até sabermos mais adiante que o estupro no filme, de fato, ocorreu e foi cometido por soldados americanos no Iraque. Redacted, no original, evidencia a proliferação e a urgência das imagens da guerra, o que resulta numa constante alteração de registros e estéticas, como se o diretor tivesse colhido as histórias, reunindo-as num manifesto anti-guerra. Brian De Palma faz, aqui, o papel de mediador das narrativas. Assim, assistimos a trechos de um filme de cunho humanista no qual uma francesa narra com voz suave o cotidiano da cidade e dos soldados, vemos as imagens registradas por um cinegrafista e uma repórter acompanhando a tropa, vemos imagens de protestos contra a guerra, no You Tube, e imagens gravadas por iraquianos, sabotando seus hóspedes indesejados.

Não obstante a força da estratégia de De Palma em simular diferentes vozes clamando por um mesmo desfecho, o que leva o filme adiante e o que faz com que este dialogue com o filme de Errol Morris é a denúncia pelas imagens. Também em Guerra Sem Cortes, um soldado que quer se tornar cineasta quando voltar ao seu país registra imagens inéditas do alojamento, da “verdade sobre a guerra”. Posteriormente, é o mesmo soldado quem registra o estupro. Como em Procedimento Operacional Padrão, o soldado conforma-se em só registrar e nada mais. Novamente, a pergunta se desloca do fato para a eficiência de registro desse fato. Haverá punição a partir das imagens? Só existe o que está registrado? Deixar de intervir para só registrar basta para o fim da guerra? Em Procedimento Operacional Padrão, uma das acusadas se defende chamando atenção para sua ínfima importância e argumentando que sua denúncia diante das autoridades militares e dos tribunais não teria efeito. Brian De Palma corrobora essa idéia, ao mostrar um soldado (o único que não teve parte no crime) diante de seus superiores tentando fazer a denúncia, mas sendo constantemente colocado como suspeito. Pelo que tudo indica, há punição. Só não se pode voltar atrás. De Palma, portanto, termina com imagens reais de vítimas do poder bélico americano, sob a legenda “efeito colateral”.

post scriptum: Lançado há pouco, o livro Mas afinal... o que é mesmo documentário?, de Fernão Pessoa Ramos, professor da Unicamp, aborda teoricamente algumas das principais viradas estéticas e políticas no campo do documentário. Mapeando a "tipologia do sujeito-da-câmera na tomada", uma das classificações para este sujeito que intervém na ação, o autor denomina como "sujeito-da-câmera tentando agir, mas impotente": "Seu revelar-se implicaria fim da ação para si à distância e o surgimento de um novo foco de embate que atingiria diretamente sua presença na tomada", "A impotência pode também ter uma dimensão profissional, ou ser resultado da incapacidade real do sujeito-da-câmera em interferir no transcorrer da ação." (pág.102).
Como se vê, a questão da interferência na ação (se os soldados poderiam ter interferido nos fatos, e não somente argumentando com imagens da denúncia) é mais complexa do que, de fato, tentei colocar. De todo modo, reafirmo o êxito dos diretores (Morris e De Palma) num viés de abordar a proliferação e a espetacularização das imagens da guerra na mídia.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Festival do Rio 2008: Mostra Gay: filme de gênero?

No jornal O Globo, de 28 de setembro, a coluna móvel Logo trazia uma reportagem de Suzana Velasco, levantando questões sobre a pertinência de uma mostra gay dentro do Festival. Falava-se, inclusive, da qualidade dos filmes e da relevância dos diretores. Caso, por exemplo, de Brokeback Mountain, filme de Ang Lee exibido não na Mostra Gay, mas na Mostra Panorama, dedicada aos filmes mais aguardados e de diretores conhecidos. "Brokeback mountain, de Ang Lee, é um filme gay ou um filme sobre solidão e encontro?" "Estaria a mostra gay fadada a filmes de qualidade inferior?", pergunta a repórter.

E a dúvida pode até ser endossada pela qualidade da maioria na mostra. Filmes como The Living End (1992/2008, EUA, de Gregg Araki), ainda que "remixado e remasterizado", como diz no título, envelhecem mal. Em chave diferente de As Testemunhas (2007), filme de Andre Techiné, exibido no Festival do Rio 2007, cuja trama retrata o aparecimento da AIDS entre os gays em meados da década de 1980 e aborda o tema numa linguagem mais à maneira "clássico-narrativa", The Living End explora o tema com um estilo de road movie trash-pop e com a já batida metalinguagem (citando Godard nas falas e no cartaz de Made in USA, Andy Wahrol em cartaz de filme, Derek Jarman em capa de revista e a interminável discussão sobre o fim do cinema, assunto sobre o qual o personagem John, uma cópia melhorada de Boy George, precisa escrever um artigo). Também não são poucas as referências musicais da época, que chegam a se refletir na personalidade de John (Joy Division e The Smiths, por exemplo. Leia-se humor melancólico passando pelo depressivo).

No mais, The Living End ora dá a impressão de um filme universitário que às vezes se quer virtuoso e cult, pelo modo como a câmera conduz a narrativa e pelos cortes secos, ora se assemelha mais a um daqueles filmes datados de uma certa década e que, visto agora, soa como um amontoado de clichês cansativos. Não sei se pela produção cultural dos anos 80, que insiste em voltar com a reciclagem de temas, modas e bandas que feneceram no alvorecer dos anos 90 ou porque, como diz o namorado de John, tudo o que foi conquistado pela revolução sexual nas décadas anteriores (60 e 70) trouxe consequências marcantes e trágicas para a gerações posteriores, entre as quais, a AIDS e essa sensação de déjà vu que inspira um ar blasé em quem vê os movimentos culturais e sociais em eterno círculo.

Em alusão a esse 'legado' que a liberdade sexual deixou, parece que na cultura, de um modo geral, o que ficou nesse início dos anos 90 (período de produção do filme) é a reciclagem do que já havia sido os anos 80. Assim, ver The Living End nos anos 2000 soa como o déjà vu do déjà vu. Em suma, um filme que dá voltas circulares e que nos seus 86 minutos cansa o espectador ao passo que seu modo de narrar deveria despertar sensação oposta.

Qual é o gênero?
Ainda sobre a inclusão ou não de filmes em mostras temáticas, alguns títulos fazem perdurar a dúvida. Assisti a alguns filmes de gênero (gênero narrativo mesmo) que poderiam estar em outra mostra. Chris e Don: uma história de amor (Chris & Don: A Love Story, 2007, EUA, de Tina Mascara, Guido Santi) fala da relação entre o escritor Christopher Isherwood e o jovem Don Bachardy. Poderia estar na mostra de documentários. E seria um filme para todos os públicos. Garoto dos Sonhos (Dream Boy, 2008, EUA, de James Bolton), outro filme da mostra gay, aborda as descobertas sexuais mais pelo lado do afeto e termina num suspense, beirando o gênero de filme de terror, com direito a casa mal assombrada e personagem com música de vilão. Eis o filme de gênero.

Os filmes citados e os outros filmes da mostra gay ficam, assim, restritos a um público segmentado, já que, por observação empírica, 90% do público é gay. Se por um lado cria um ambiente propício inclusive a flertes e troca de olhares (sim, o cinema - o cinema, não o filme - é espaço de socialização, inclusive para flertes), esse tipo de mostra cria também um espaço de exclusão dos "não-gays" já que esses filmes deixam de ser contemplados por olhares variados.

Esse debate acerca da conquista de espaço pelos gays á a pauta do dia há décadas. É a querela entre iluministas - que pregam a idéia do homem universal e igualitário, num mundo em que as políticas contemplam a todos, independente de sexualidade - e os culturalistas - que lutam pela marcação da diferença (a Parada Gay, por exemplo), com bandeiras particulares, mas correndo o risco de serem vistos sempre como os diferentes, destacados desse homem universal e definidos antes pela sexualidade. A Mostra Gay é, sem dúvida, uma conquista, mas agora precisa ser repensada. Em termos estéticos (porque corre o risco de ficar com os filmes relegados pelas outras mostras, já que nenhum filme se restringe somente ao assunto sexualidade) e em termos políticos (porque precisa pensar uma estratégia que leve os filmes gays a todo o público).

terça-feira, setembro 30, 2008

PAUL NEWMAN (1928 - 2008)

...raindrops keep falling on my head...

sexta-feira, setembro 26, 2008

FESTIVAL DO RIO 2008






COMEÇOU O FESTIVAL DO RIO 2008, A MAIOR MOSTRA DE CINEMA DA AMÉRICA LATINA.

Em breve, textos sobre os filmes e o Festival.

segunda-feira, agosto 25, 2008

OLHAR ESTRANGEIRO: O RELEASE DE "SHOW DE BOLA"


Reproduzo as pérolas do diretor Alexander Pickl para a divulgação do filme Show de Bola. Dispensa qualquer comentário. Diz o release:

"É claro que havia um problema de trabalhar com crianças da favela. Nunca tínhamos certeza se nossos atores principais compareceriam no dia seguinte para a filmagem. (...) Sempre tínhamos medo de que nossos atores principais entrassem numa briga de gangues e fossem mortos."

"Precisamos andar uma vez à noite ao longo da Av. Copacabana, caso queiramos ver qual o valor que tem o futebol no Brasil. Ali realmente cada centímetro quadrado está marcado para campos de futebol de praia. Milhares jogam futebol nesses lugares durante as 24 horas do dia. Em toda a parte. Na praia, nos fundos das casas, nas favelas. Ali, futebol é uma forma de ver o mundo"

"Muitas vezes éramos alvo de tiros. Uma vez fomos presos pela polícia militar e ameaçados pela máfia das drogas."

"Vimos tudo, até mesmo esquinas como a Villamimosa, que, como turista branco, realmente deveria ser evitada, se não quiser ser morto a tiros depois de 50 metros."

"Tínhamos ainda um outro contato com um expert, que atua como guia nas favelas e consegue extorquir muito dinheiro dos turistas."

"Na zona norte, um bairro onde fazem vodu, só nos foi pedido comprar um certo número de telhas, cimento e tábuas para que eles pudessem arranjar um pouco o seu negócio de vodu. Uma experiência bizarra."

"Pode acontecer de termos feito um acordo com um líder de uma favela, mas na semana combinada para a filmagem, este líder poderá não estar mais vivo. (...)Tudo é muito corrupto e arcaico nas favelas".

"Como pode ser visto muito bem no filme, vistas a distância, as favelas parecem colméias de abelhas. Em Cantagalo, uma das favelas, descobre-se, de muito longe, no meio desse favo cinzento, uma construção branca e muito alta, que se parece com aquilo que imaginamos ser uma vila de um barão das drogas da Colômbia."

"Um médico de Munique e meu amigo me contou que se parte de uma taxa de 100% de aidéticas entre as prostitutas."

"Não queríamos acreditar, mas no nosso giro noturno por uma zona rochosa, realmente vimos crianças das cavernas. Durante a noite, às 3 da manhã, vieram crianças de 7 anos de uma fdas cavernas, enroladas apenas em cobertas, pedindo-nos comida e capas de chuva e depois desapareceram novamente nas cavernas."

"Por sorte não existe cinema com estímulo olfativo. Em muitas favelas foi necessário juntar todas as forças para que a equipe toda não vomitasse sem parar. O mau cheiro era imenso."

"Deve-se entender que nas favelas a vida nem é tão ruim assim. Existe um senso comunitário bem forte e são as pessoas mesmas que se atendem. Criam um ou dois porcos em suas casa. Uma vez ao mês é carneado um porco, o que dá motivo para uma grande festa em toda a vizinhança."

"Estávamos absolutamente livres de preconceito e abertos para tudo o que podia ser visto e vivenciado"

Fonte: blog do Marcelo Janot

quarta-feira, agosto 20, 2008

ERA UMA VEZ


Embora minhas idas ao cinema não tenham rareado tanto como imaginei que seria nesse período de estudos, confesso que, de fato, o blog está abandonado. Aliás, às vezes tenho tempo para escrever comentários em outros blogs e não o tenho para escrever aqui. Então, aproveito o breve comentário que fiz sobre o filme Era Uma Vez, de Breno Silveira, no blog Máquina de escrever, do Luciano Trigo, publicando-o aqui:


Em Era Uma Vez há algo de ingênuo no modo de lidar com os desfavorecidos. A proposta seria coerente se o filme tivesse ficado mesmo naquele eixo shakespereano, num tom acima do real, como numa espécie de fábula, por exemplo, como toda a mídia anunciou (e também entregou toda a trama ao falar de Romeu e Julieta). De todo modo, o que transparece mais é uma vinculação àquele cinema utópico dos anos 60. Foi bonito, muito bonito, aquele cinema, mas para hoje fica difícil. As esquerdas perceberam que o “povo” não é uma massa esperando por um guia utópico, tal como faz Antônio das Mortes, em Deus e o Diabo na Terra do Sol e mais uma dezena de filmes (muitos, excelentes filmes) do Cinema Novo. A situação ficou bem mais complexa e parte do cinema contemporâneo se deu conta disso. Agora, uma coisa me intriga: será que dá para mudar o vocabulário (da visada utópica daquela época para a supostamente não-utópica capitalista do momento atual) sem questionar? Vamos aceitar tranquilamente a troca de “oprimido” por “excluído”? Será que nosso parâmetro vai ser sempre o do capitalismo e quem nao está nele, deve ser “incluído”? Ninguém mais é “oprimido” pelo sistema capitalista? É um desafio que perpassa o cinema contemporâneo brasileiro, este cinema terceiro-mundista que, não raras vezes, ainda se vê como ferramenta de transformação social (e eu assino embaixo, sem radicalismo e contemplando a variedade estética e política de filmes). Acho que o problema do filme, portanto, não passa só pelo meramente estético (se realista, se shakespereano etc), mas pelo que os cineastas têm que enfrentar em termos políticos para abordar a realidade contemporânea. Esse conflito, claro, acaba se revelando na estética do filme, como o problema da cena final (inverossímel), citada pelo Luciano Trigo. Quer dizer, o que parece é que o diretor oscilou entre o cinema utópico e o cinema atual e não soube resolver isso no texto fílmico. Talvez, se tivesse optado pelo registro utópico, poderia ter feito um filme mais marcadamente alegórico (até o faz com o clichê da cidade partida, de Zuenir Ventura), mas ficaria anacrônico, passadista. Querendo uma inserção no grupo de filmes que discutem a violência carioca (Cidade de Deus, Tropa de Elite, por exemplo), errou a mão e criou situações impraticáveis para um filme realista. Em suma, ficou difícil estabelecer com o espectador o pacto de ficção já que não acertou os ponteiros do relógio. Fora isso, o filme emociona, sim, e vale a pena ser visto pelo desafio em que se lança de compreender nosso estado atual.

domingo, julho 27, 2008

MELHORES DO SEMESTRE


A Liga dos Blogues Cinematográficos faz todos os anos o ranking dos melhores filmes lançados no circuito brasileiro, nas mais diferentes categorias. Para medir a quantas andam as apostas para o Alfred 2008, nosso prêmio anual, a Liga, além dos rankings mensais, faz também o ranking do semestre. Neste momento, a Liga não elege as diversas categorias, mas somente os dez melhores filmes do semestre.

Segue minha lista, com destaque para A Questão Humana, filme quase metalingüístico tal o seu questionamento das verdades da palavra e da imagem. Nicolas Klotz compôs uma estética instigante, complexa e inteligente, cujo transbordamento imagético faz mergulhar no cinema político contemporâneo (nas questões atuais do capitalismo) e, ao mesmo tempo, dialoga de modo assustador com a história do século XX.

1 A QUESTÃO HUMANA Nicolas Klotz
2 SANGUE NEGRO Paul Thomas Anderson
3 NÃO ESTOU LÁ Todd Haynes
4 ZONA DO CRIME Rodrigo Plá
5 DESEJO E REPARAÇÃO Joe Wright
6 XXY Lucía Puenzo
7 O BANHEIRO DO PAPA César Charlone e Enrique Fernández
8 ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ Ethan Coen e Joel Coen
9 4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS Cristian Mungiu
10 PARANOID PARK Gus Van Sant

quarta-feira, maio 14, 2008

BLOG EM RECESSO

sábado, fevereiro 23, 2008

And the Oscar goes to...

Juno
Juno foi anunciado como o Miss Sunshine 2008. Passa longe. Miss Sunshine, além de muito mais divertido, era menos pretensioso justamente porque falava de um simples concurso de beleza infantil e daí, a partir dos outros personagens, puxava paralelamente outras questões, como a dificuldade de encarar a derrota num país capitalista. Juno quis fazer tudo com a mesma simplicidade, mas com uma simplicidade pretensiosa, cool. Seus ares de filme moderninho e pouco afeito à discussão o tornaram superficial. Tratou a gravidez da personagem com distância e não conseguiu fugir dos clichês, nos diálogos e nas situações. Ellen Page não se livrou do seu gorro vermelho usado no fiasco Menina Má.com, apesar de sua atuação crescer bastante ao longo do filme. Juno não é desprezível, mas também não merece o Oscar de melhor filme.

Conduta de Risco
Michael Clayton
, título original, tem tudo para ganhar o Oscar de melhor filme. Roteirista da trilogia Bourne, o diretor estreante Tony Gilroy já havia mostrado que sabe conciliar filme de ação com diálogos inteligentes. Conduta de Risco tem, portanto, um ponto forte para a indicação de melhor filme: um excelente roteiro. Não bastando isso, Gilroy tem uma direção surpreendente para um estreante. George Clooney e Tom Wilkinson estão perfeitos em suas atuações. Clooney é o produtor-executivo e mostrou mais uma vez maturidade na escolha de bons filmes. Apoiado numa fotografia de sombras e luzes frias, Conduta de Risco tem a trilha sonora composta por James Newton Howard, o mesmo de Colateral (2004), e, de fato, tem muitos momentos que remetem ao filme de Michael Mann. Talvez o que afaste Conduta de Risco do prêmio seja o distanciamento da narrativa e o tema, bastante comum, ainda que o grande desafio e o mérito do filme seja narrar o mais do mesmo com tamanha sofisticação.

Desejo e Reparação
Diferente de Orgulho e Preconceito, em que havia uma distância muito grande entre os sentimentos dos personagens e o sentimento espectatorial (no meu caso), e a trama, apesar de bela, soava fria e incoerente com o tema, em Desejo e Reparação, baseado no romance Reparação, de Ian McEwan, Joe Wright investe mais na personalidade de seus personagens. O roteiro adaptado por Christopher Hampton é um dos pontos mais elogiados (quando assisti ao filme, saí dali direto para a livraria a fim de encontrar o romance) e a grande virada no final da trama é surpreendente. O destaque é, também, para o uso da trilha sonora, sempre se confundindo com os sons diegéticos na primeira parte do filme. Atonement, no original, é um dos filmes que mais me cativou. E, tentando adivinhar o resultado da premiação, acho que é esse o filme a levar o Oscar.

Onde os Fracos Não Têm Vez
Se levarem em conta a eficiência dos diálogos e o uso do silêncio, o filme dos irmãos Coen será o dono da estatueta dourada. De fato, a economia dos diálogos e o momento em que eles surgem, quase sempre cortantes, estão em pleno acordo com a composição da paisagem de No Country For Old Men, título original. Fica muito claro o status de personagem central que o deserto assume e o modo como ele é importante para definir os rumos de seus habitantes, tanto no amargo fim do velho xerife local Ed Tom Bell (interpretado por Tommy Lee Jones) como na maldade monossilábica do assassino serial Anton Chigurh (Javier Bardem, provável vencedor do Oscar de ator coadjuvante). Entre muitas outras qualidades, merece destaque o roteiro, as atuações do elenco, a fotografia, os silêncios (não há trilha musical) e a edição que, junto com roteiro e atuação, trabalham com os sustos e a imprevisibilidade da narrativa. Apesar da minha aposta em Desejo e Reparação, o que se diz é que os irmãos Coen levam o Oscar de melhor filme em decorrência dos prêmios que o filme vem acumulando.

Sangue Negro
Negro como o petróleo e duro como as pedras que ele escava é Daniel Plainview, o personagem de Daniel Day-Lewis. Produto do meio, assim como os personagens do deserto, no filme dos irmãos Coen, Plainview tem sua trajetória revista (o roteiro é uma adaptação do livro Oil!, de Upton Sinclair) por Paul Thomas Anderson, no melhor filme entre os indicados. Meu Oscar, sem titubear, iria para Sangue Negro. Pelo roteiro, pela direção impecável de P.T. Anderson, pelas atuações de Day-Lewis (é impressionante observar o ator em close entre caretas, falas raivosas e irônicas e pausas dramáticas) e de Paul Dano, o pastor Eli Sunday, que merecia uma indicação como ator coadjuvante, pela fotografia, em que a luz solar refletida na paisagem contrasta com a sombra dos homens do petróleo em trabalho, pela trilha sonora constantemente perturbadora de Jonny Greenwood (guitarrista e multi-instrumentalista do Radiohead) e pela narrativa que Anderson imprime ao filme. É o melhor entre os cinco e vai entrar para a lista de clássicos do cinema.

Atores (os que merecem):
Ator: Daniel Day-Lewis, por Sangue Negro
Atriz: Marion Cotillard, por Piaf - Um Hino ao Amor
Ator Coadjuvante: Javier Bardem, por Onde os Fracos Não Têm Vez
Atriz Coadjuvante: Cate Blanchett, por I'm Not There.

quinta-feira, outubro 25, 2007

FECHANDO A TAMPA - FESTIVAL DO RIO 2007

LUST, CAUTION, Ang Lee *****
FOR YOUR CONSIDERATION * (ver post)
AS TESTEMUNHAS *** (ver post)
MISTER LONELY *** (ver post)
EU NAO QUERO DORMIR SOZINHO ***** (ver post)
HOMENS NUS *** (ver post)
PIAF – HINO AO AMOR *** (ver post)
A FELICIDADE DOS SAKAI **** (ver post)
SEM FÔLEGO ****


ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO, Sidney Lumet ****
ELVIS PELVIS ** (ver post)
XXY ***** (ver post)
SINDROMES E UM SÉCULO **** (ver post)
AS BONECAS SAFADAS DA DASEPO ** (ver post)
SOMBRAS ELÉTRICAS *** (ver post)
O JOVEM WIM WENDERS **
O BANHEIRO DO PAPA **** (ver post)
SOMBRAS DE GOYA *** (ver post)


NÃO TOQUE NO MACHADO, Jacques Rivette ****
I’M NOT THERE ***** (ver post)
BÚFALO DA NOITE ***
MULHER NA PRAIA ***** (ver post)
PARANOID PARK **** (ver post)
FLORESTA DOS LAMENTOS
ENTREVISTA
A CADA UM SEU CINEMA
O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA **

LIKE A VIRGIN, Lee Hae-Young e Lee Hae-Jun ****
RITA CADILLAC – A LADY DO POVO ***
ILUMINADOS ****
DESEJO E REPARAÇÃO ***** (ver post)
4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS **** (ver post)
SNOW WHITE THE SEQUEL *
FILM NOIR **
NA ESTRADA COM O AMANTE DA MINHA MULHER
FRAULEIN


Curtas
LÊDA DE ARTE LEDA
MUITO PANO PRA POUCA MANGA
ELKE
HOMEM-LIVRO
MARIA LENK PIXINGUINHA
A MALDITA


Por falta de tempo, não deu para comentar todos os filmes a que assisti no Festival do Rio 2007 (ver filmes comentados em posts anteriores). Eis a lista de tudo o que consegui ver.

COTAÇÃO
***** irretocável
**** muito bom
*** bom
** razoável
* ruim

Agora é aguardar o Festival do Rio 2008!

terça-feira, outubro 02, 2007

FESTIVAL DO RIO 2007 (4)

EU NÃO QUERO DORMIR SOZINHO *****
Depois de sair da sessão de Eu Não Quero Dormir Sozinho pensei imediatamente em O Rio, outro filme de Tsai Ming-Liang, justamente porque os dois filmes têm em comum uma abordagem do precário. Em Eu Não Quero Dormir Sozinho Hsiao-kang é atacado na rua e logo depois é encontrado caído por um grupo de homens que o levam para um cortiço. Lá, um dos homens do grupo, Rawang, cuida de Hsiao enquanto este se recupera. Rawang passa a sentir uma afeição maior por Hsiao e este sente-se atraído pela garçonete Chyi na medida em que vai se recuperando. Os planos, estáticos e de longa duração, tornam-se quase independentes uns dos outros por comportarem cenas inteiras num único enquadramento – principalmente no período de convalescença de Hsiao. Em outros momentos, a câmera procura um ângulo estrategicamente mais enviesado para permanecer fixa e captar o que acontece na cena. Num plano, o colchão, que foi importante em toda a trama, agora flutua num lugar tomado pela água (mais um ponto em comum com O Rio) e, apesar da doença, da fumaça e da água que impedem o fluxo de vida, ele entra serenamente em quadro para mostrar uma das imagens mais belas do cinema. Tsai Ming-Liang sabota a trama em prol das sensações. (Dir: Tsai Ming-Liang, Taiwan/França/Áustria, 2006)



SOMBRAS DE GOYA ***
A proposta de Sombras de Goya é bastante interessante no que se refere ao título do filme. As sombras são dadas a três níveis de leitura. O primeiro, pelas sombras pintadas por Goya, no filme. O segundo, pelo contexto sombrio daquela época, quando a Espanha estava sendo tomada pelas invasões francesas de Napoleão, e, num terceiro nível, o termo sombras permite uma leitura referente à fotografia e à luz na tela de cinema. Neste último, Carlos Saura talvez tenha traduzido melhor as sombras em seu Goya, ao fazer alusão direta às telas do pintor. Um outro problema que vejo no filme de Milos Forman, com roteiro de Jean-Claude Carrière, é não trabalhar no meio termo, ou seja, tendendo demasiadamente para o lado de um cinemão comercial: estilo narrativo clássico, atores internacionais (Javier Bardem e Natalie Portman) e língua inglesa num filme que se passa na Espanha. Ou seja, sem fazer concessão ao que poderia vir a ser um filme mais sofisticado. A questão da língua talvez fosse mais aceitável se Milos Forman fosse inglês ou norte-americano, por exemplo. Mas não o é. Tudo bem, a produção é norte-americana, mas isso não alivia os ouvidos de quem vê cenas da Espanha e ouve o idioma inglês, com a péssima idéia de colocar uma ou outra palavra em espanhol entre as falas em inglês. O desfecho, afinal, aparece como uma redenção para um filme tão cheio de climas e efeitos. (Dir: Milos Forman, Estados Unidos/Espanha, 2006)





PARANOID PARK ****
O novo filme de Gus Van Sant pode até não ser dos melhores (dos mais recentes, gosto muito mais do Elefante e do Last Days), mas não se pode deixar de reconhecer que o diretor vem trabalhando coerentemente nos últimos filmes. Gus Van Sant tem colaborado para a criação de uma estética contemporânea da juventude americana bastante associada à idéia, senão do pessimismo, ao menos da melancolia (É esse um dos eixos temáticos de Elefante, Last Days, Garotos de Programa). Tudo parece letárgico em Paranoid Park: o tempo dilatado (a câmera lenta é usada dentro de um propósito bastante pertinente), a fotografia suja e escura e uma nostalgia/ironia em desterritorializar as músicas de Nino Rota feitas para filmes do Fellini. O crime em Paranoid Park não é punido física e institucionalmente. Como em Elefante, aqui também o personagem se chama Alex (a-lex = sem lei). Está aí o pessimismo com os projetos coletivos, com o futuro. Isso não significa que Gus Van Sant faça um julgamento moral dos fatos na trama. Pelo contrário, é uma constatação totalmente amoral. A punição do personagem consiste numa branda autopunição. Exorcizar a culpa é escrever sobre ela. E fica por isso mesmo. Paranoid Park é o parque dos skatistas, lugar isolado onde adolescentes voam em seus skates, acima da terra, acima das leis. (Dir: Gus Van Sant, Estados Unidos/França, 2007)




4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS ****
Pessimista em relação à situação da Romênia nos últimos suspiros sob o regime comunista de Nicolau Ceaucescu, Cristian Mungiu fez um filme cru e desprovido de sentimentos, com a exceção do medo e do ceticismo. Otilia precisa ajudar Gabriela, sua amiga de quarto numa república de universitários, a encontrar um médico num hotel para fazer um aborto, prática ilegal na Romênia de 1987. Quando Dr. Bebe descobre que Gabriela está com cinco meses de gravidez, e não dois como ela dissera, o médico quer aumentar o valor cobrado. Otilia precisa convencer o médico a fazer o aborto, mesmo não tendo o dinheiro para pagá-lo. Otilia faz uma incursão na escuridão da noite sem luzes, percorrendo as ruas a fim de encontrar um lugar para jogar fora o feto. Nos poucos momentos em que se vê outras pessoas, a relação gira sempre em torno da troca e do comércio de mercadorias e produtos ilegais no país. É o paralelo que se faz com os personagens (o médico, Otilia e Gabriela) na margem da sociedade. É a sensação que se tem ao ver Otilia num jantar, diante dos pais e os amigos dos pais do namorado, a falarem com certo desdém de pessoas menos instruídas ou que vêm do interior para a cidade. O deslocamento e o abismo entre Otilia e as pessoas à mesa é traduzido num plano estático e bastante longo em que Otilia fixa o olhar num ponto fora do quadro ao mesmo tempo em que os outros dão risadas e se divertem a seu redor. É no plano final também que o olhar de Otilia, diante da amiga Gabriela, parece apontar para algo fora do quadro, um ponto de fuga, tentativa de fuga, talvez. 4 meses, 3 semanas e 2 dias e A Criança, dos irmãos Dardenne, parecem ter mais em comum do que apenas a Palma de Ouro. (Dir: Cristian Mungiu, Romênia, 2007)




DESEJO E REPARAÇÃO *****
Diferente de Orgulho e Preconceito, em que havia uma distância muito grande entre os sentimentos dos personagens e o sentimento espectatorial (no meu caso), e a trama, apesar de bela, soava fria, em Desejo e Reparação, baseado no livro Reparação, de Ian McEwan, Joe Wright investe mais na personalidade de seus personagens. Keira McNight, atriz que interpretava uma personagem pálida no filme anterior, tem neste último filme uma tinta bem mais passional. Em 1935, Cecilia Tallis, jovem rica, apaixona-se pelo caseiro Robbie. A relação é interrompida quando Briony, irmã mais nova de Cecilia e escritora promissora, acusa injustamente Robbie de ter cometido um estupro na família. A separação vem com a prisão de Robbie e sua ida para a guerra. Mais tarde, Robbie e Cecilia se encontram para reatar o relacionamento. Briony, agora enfermeira na guerra, quer reparar o mal que fez a Cecilia e Robbie. Escritora conhecida, o modo que Briony encontra para desfazer seu erro é mudar na ficção o que já é imutável na vida. Destaque para o roteiro de Christopher Hampton e para o uso da trilha sonora, sempre se confundindo com os sons diegéticos na primeira parte do filme. (Dir: Joe Wright, Reino Unido, 2007)




O BANHEIRO DO PAPA ****
Mais do que um filme uruguaio, existe em O Banheiro do Papa um espírito latino-americano, presente também em filmes como Diários de Motocicleta, que fala de uma América pobre e ainda esperançosa com o que vem do centro do mundo. Mais particularmente, há em O Banheiro do Papa um resquício de cristianismo católico que une apesar das adversidades. Por outro lado, é uma América que se constrói na precariedade e na impossibilidade de se igualar aos países ricos. Beto tem a fé, mas sobrevive com a família às custas do contrabando que faz entre Brasil e Uruguai sobre a bicicleta. É a bicicleta que resgata a América rural, campestre, e que permite compor as mais belas imagens do filme, como as corridas entre Beto e seu amigo, tendo ao fundo a paisagem matinal, orvalhada e iluminada pelo sol. É a fé cega que os diretores Enrique Fernandez e César Charlone vão sabotar. Em 1988, a cidade de Melo, na fronteira entre Brasil e Uruguai, vive a expectativa de uma visita do Papa João Paulo II. As famílias de Melo vêem na visita a oportunidade para ganhar algum dinheiro com os milhares de visitantes que são esperados. O Papa é, então, o próprio milagre. Beto, abrindo mão dos projetos de estudo da filha, constrói um banheiro na calçada de casa para uso dos visitantes. O resultado frustrante mostra uma das facetas falidas do catolicismo. (Dir: Enrique Fernandez e César Charlone, Uruguai/Brasil, 2007)

segunda-feira, outubro 01, 2007

FESTIVAL DO RIO 2007 (3)

I’M NOT THERE *****
Quase tão impossível quanto limitar Bob Dylan no gênero folk é dizer que esse filme é uma mera biografia. Pode até ser uma biografia (por isso o “quase tão impossível” lá no início), mas o caleidoscópio de Todd Haynes é tão diversificado e rico quanto a carreira de Bob Dylan. Bob Dylan não está lá, não é um. Bob Dylan é muitos. Por isso, em I’m Not There Bob Dylan é Cate Blanchett, Heath Ledger, Richard Gere, Christian Bale, Ben Wishaw e Marcus Carl Franklin. A música de Dylan passa por uma série de gêneros e temáticas (folk, rock, religião, política, ainda que a palavra política suscite uma série de questionamentos por Dylan em I’m Not There) assim como sua personalidade de poeta, maldito, surrealista, caubói, branco e negro. Conforme o filme avança, vamos tendo progressivamente não um contorno preciso, mas ainda mais difuso de personagem controverso que não se deixa apreender. Para o pessoal que gosta de Oscar: eu daria a I’m Not There, pelo menos, uma indicação de melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro, melhor edição, melhor direção de arte, melhor trilha sonora, melhor figurino, melhor fotografia e melhor atriz para Cate Blanchett. Devo ter esquecido de mais alguma coisa que esse filme tem de bom. (Dir: Todd Haynes, Estados Unidos, 2007)




PIAF – UM HINO AO AMOR ***
Tenho a impressão de que os franceses estão aprendendo a fazer biografias de seus mitos com o cinema americano. Piaf – Um Hino ao Amor deixou quase todo o cinema aos prantos (incluso eu). Parece que a velha fórmula de contar a história de uma vida em narrativa cronológica foi para o espaço. Piaf – Um Hino ao Amor começa na velhice precoce de Edith e logo mergulha no seu nascimento. A partir daí a sensação de linearidade é logo abalada pelo quebra-cabeças que é tentar descobrir o que é antes e o que é depois nos momentos em que a idade de Piaf é muito próxima nas duas cenas que se misturam. De todo modo, o narrar em Piaf é bem mais comportado do que no I’m Not There de Todd Haynes. Colabora para isso o fato de Edith Piaf já estar morta e Dylan, vivo. Não significa, entretanto, obra fechada, mas mais compreensível, se quisermos “enquadrar” Piaf numa história de vida. Mas isso é besteira porque a voz do Pequeno Pardal, apelido de início de carreira, e o mito dessa diva da música francesa sobrevivem. Ah, Marion Cotillard é a atriz que provavelmente vai tirar o Oscar das mãos de Cate Blanchett. Aos 33 anos, a atriz interpreta Piaf da juventude até a morte. Não haveria maquiagem que desse jeito não fosse o talento impressionante de Cotillard. Apesar da vida errante no prostíbulo, no circo e nos bares, Edith Piaf não se arrependeu de nada. É por isso que encerra cantando: “Non, rien de rien, non, je ne regrette rien” (não, nada de nada, não me arrependo de nada). (Dir: Olivier Dahan, França, Reino Unido, República Tcheca, 2007)

AS TESTEMUNHAS ***

O novo filme de Andre Techiné, apesar de datar de 2007, tem sua trama passada nos anos 1983-84. E não alertar para isso no início do filme torna o soco no estômago ainda mais forte. Manu, o jovem que ainda não chegou aos 20 anos de idade, chega a Paris para tentar a vida, dividindo um pequeno quarto de hotel com a irmã. Num parque de encontros entre homossexuais, Manu conhece o médico Adrien, 50 anos, que logo se apaixona pelo rapaz, mas não é correspondido. Adrien leva Manu a casa de uma amiga, a escritora Sarah e seu marido Mehdi. Mais tarde, Manu se distancia de Adrien e começa um relacionamento às escondidas com Mehdi, policial que reprime gays e prostitutas nos guetos da periferia parisiense. O soco no estômago se refere às feridas que começam a aparecer no corpo de Manu. A mesma que as prostitutas e os gays, mas não só, começam a apresentar em todo o mundo. Alguns meses depois, surge o nome da doença: Aids. O encanto do filme se esvai com a despedida de Manu da vida. Techiné assume um tom de filme policial e de denúncia que destoa da beleza poética de Manu. Com a morte do jovem, os personagens se tornam errantes na trama e o filme parece perder o objetivo, ainda que o objetivo maior seja o livro que Sarah está escrevendo sobre Manu. (Dir: Andre Techiné, França, 2007)




XXY *****
Ricardo Darín tem sido onipresente no Festival do Rio. Além de marcar presença em três filmes, dirigindo um deles, também é um dos convidados do festival. Em XXY, entretanto, o destaque é para a atriz Inés Efron, que interpreta Alex, a hermafrodita que é o centro da trama. Há de ressaltar o talento da diretora Lucía Puenzo em seu primeiro longa. XXY aborda a questão de um modo bastante delicado e poético, se opondo a um discurso racional e científico. Alex é livre para escolher se quer ou não fazer a cirurgia de retirada do pênis. Ao mesmo tempo é vista como um ser exótico por algumas pessoas que a cercam na pequena comunidade de pescadores. Inés Efron protagoniza uma cena belíssima, difícil de ser executada e muito bem dirigida, a que transa com o filho do cirurgião plástico que está hospedado na casa de seus pais. Contraponto aos pais de Alex, o cirurgião tem dificuldade em aceitar o filho por vê-lo como um fracassado, ainda que o menino seja um pré-adolescente. A fotografia esverdeada se harmoniza com o cenário marítimo e com os olhos verdes e selvagens de Alex. XXY fala da delicada e tênue fronteira entre os gêneros sexuais e sobre o respeito dos pais na decisão dos filhos. (Dir: Lucía Puenzo, Angentina, Espanha, França, 2007)

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O FESTIVAL DO RIO

A massa clama por Piaf
Na sessão inaugural do filme Piaf – Um Hino ao Amor, no Cine Palácio, o público batia palmas clamando pelo início da sessão, que já passava dos 30 minutos de atraso. Era o tempo para a entrada de toda a comitiva francesa que vinha para ver Piaf nas telas. Nem Ilda Santiago, organizadora do Festival, escapou da chuva de vaias quando subiu ao palco para apresentar o filme. Viva Piaf!

Salve o Cinema!
Na sessão de Mulher na Praia, no Espaço de Cinema, não havia mais lugares para os cinéfilos credenciados que entram depois do público pagante. Eis que se dá, então, o seguinte diálogo entre o bilheteiro e um crítico credenciado:
- Meu senhor, não custa nada liberar. A garotada aqui querendo assistir ao filme e o senhor barrando.
- O senhor é cinéfilo há muitos anos, sabe muito bem que não posso liberar a entrada se não há mais lugares.
- Tudo bem, o senhor me deixa entrar para ver se não há mais lugares. Se não houver, eu saio e encerramos a discussão. Ele entra e volta: - Têm, no mínimo, nove lugares! E nós somos seis! O bilheteiro, sem argumentos, libera a entrada e entramos.

Primeiras poltronas (ou a turma do gargarejo)
Ao contrário das sessões de circuito, no Festival as primeiras poltronas têm sido ocupadas na mesma proporção que as do fundo da sala. Acabei pegando um pouco a mania de assistir aos filmes quase colado à tela.