sexta-feira, janeiro 06, 2006

TRINTA ANOS ESTA NOITE, de LOUIS MALLE


A chuva constante, a queda de temperatura e o céu cinza chumbo retratados na melancólica Paris de Alain Leroy, em Trinta anos esta noite, eram parecidos com este atípico dia de janeiro, na cidade. Tanto que quase desisti de ir ao Odeon para ver mais um filme da mostra do diretor francês Louis Malle. Para a minha surpresa, o cinema estava cheio. Talvez pelo mês de férias, talvez, pelo frio mesmo. Pois que o tempo se adequou ao clima (do filme). Nada mais triste que a constatação da passagem da vida. Nada mais desolador que voltar ao lugar onde, no passado, davam-se festas. Onde estão os amigos? Por medo do que vai encontrar, Alain vai adiando sua saída da clínica onde se internou para a cura do alcoolismo, este único resquício dos velhos tempos. Alain agora sente um grande vazio, que ele chama de angústia permanente. Não há mais o que viver, "a vida não passa rápido o bastante". A cena inicial é composta somente por closes de um encontro íntimo entre Alain e a amiga Lydia, entre cigarros e a música delicada de Erik Satie, que trilha todo o filme. A amante o estimula a deixar a clínica para rever os amigos que deixou há três anos em Paris. O plano dele, no entanto, é não só rever, mas despedir-se de todos. Nunca teve um trabalho e sobrevive às custas da mulher, que está em Nova York e não responde mais às suas cartas. Alain instala-se num hotel em Paris e começa a visitar os amigos cuja juventude foi trocada por livros, filhos e trabalho. Para ele, tudo é só decepção. É difícil voltar e encontrar tudo diferente, ao passo que ele mudou, não é mais o mesmo brincalhão, não bebe mais como antes, mas gostaria de encontrar as coisas como deixou quando abandonou os amigos. Caminha pelas ruas, senta-se num bar e deita o olhar aos jovens que passam, sem pressa e com displicência, como se o tempo nunca lhes fosse alcançar para roer-lhes os tecidos. Alain sente inveja, não quer a velhice, a fraqueza, o perecer. Agora é frágil e ainda há pouco quase foi atropelado por causa de um único cálice de bebida que tomou. Falta-lhe o amor próprio e a vontade de viver, de superar os problemas. Por fim, eis que o homem vai para o quarto de hotel e dá um tiro no peito para acabar com a maldita angústia. Na carta de despedida diz estar se matando "porque vocês não me amaram e eu não vos amei. Estou me matando para deixar em vocês uma marca indelével (...)". Daí penso no poder que o cinema tem em convergir diversas artes - música, literatura, pintura etc - e nas coincidências da vida porque bem antes da carta de Alain uma música que eu tenho ouvido mentalmente nas últimas semanas percorria o meu pensamento diante daquele filme: "the greatest thing you'll ever learn is just to love and be loved in return." A coisa mais importante que você vai aprender é amar e ser amado de volta. (Nature boy - Eden Ahbez).

Trinta anos esta noite (Le feu follet) França, 1963, 110 min
Direção: Louis Malle
Roteiro: Louis Malle e Pierre Drieu La Rochelle, baseado no romance homônimo deste
Fotografia: Ghislain Cloquet
Edição: Suzanne Baron
Elenco: Maurice Ronet, Lea Skerla, Yvonne Clech, Hubert Deschamps