quinta-feira, setembro 27, 2007

Festival do Rio 2007 (1)

HOMENS NUS ***
O título engana a não ser que se tome como uma metáfora. O diretor húngaro Karoly Esztergalyos compõe a história melancólica de um escritor de meia-idade que se vê envolvido repentinamente com um rapaz de 19 anos no momento em que sua mulher está numa viagem. Digo história melancólica por uma série de fatores evidentes: numa cena em que o escritor e o rapaz percorrem uma galeria, vemos o cartaz de Rocco e seus irmãos, mais adiante, já em casa, Tibor, o escritor, contempla o corpo apolíneo do jovem, parcialmente coberto com uma manta vermelha que se assemelha ao veludo. A luz desse ambiente é suave, mas fria. O som toca Wagner e Mahler. Tibor lê para o rapaz a descrição que Thomas Mann faz de Tadzio em Morte em Veneza. Ora, tudo isso é uma alusão direta à estética do cinema de Luchino Visconti, inclusive no enredo de Homens Nus. Ao fim, como já era de se esperar, Tibor encontra.-se em situação cabal, sem a mulher e sem o seu Tadzio. Tibor termina em alucinação a ver seu apartamento luxuoso, até então um espaço diferencial em relação à sua aventura erótica, como extensão do antro de luz vermelha freqüentado pelo jovem. Agora, porém Tibor está sozinho. (Dir: Karoly Esztergalyos, Hungria, 2006)



FOR YOUR CONSIDERATION*
Mais um filme metalingüístico onde o fazer fílmico está retratado num contexto de cinema independente que tenta fazer sucesso a duras penas. Entretanto, toda a intenção da equipe se traduz em um dramalhão de uma família de judeus. No set de filmagens o diretor precisa trabalhar a auto-estima de seus atores. E consegue quando começam a circular nos bastidores boatos de uma provável indicação ao Oscar para a atriz protagonista. A trama de For Your Consideration é bastante interessante, mas o roteiro repleto de piadas desgastadas e levianas vai cansando e faz com que o filme chegue sem fôlego na reta final, ainda que seja bastante engraçada a transformação da atriz depois da improvável indicação com a cara cheia de botox. (Dir: Christopher Guest, Estados Unidos, 2006)



MISTER LONELY ***
Como anunciado pela organizadora do Festival do Rio momentos antes da sessão, a produtora Agnes B., que está sendo homenageada com uma mostra dedicada ao seu trabalho, realmente acreditou em filmes com pouco apelo comercial. Mister Lonely é um filme que dificilmente será lançado em circuito para o azar de quem acha que o cinema é onírico e não necessita tanto de tramas tão amarradas. Mister Lonely opta pela poesia da imagem em detrimento de uma narrativa corrida. Nas ruas de Paris, um sósia de Michael Jackson se apaixona por uma sósia de Marilyn Monroe. Ela o convida, então, para viver numa comunidade alternativa de sósias, afastada dos grandes centros, num belo castelo. Paralelamente, a história de uma freira que consegue voar depois de cair acidentalmente de um avião quando numa comitiva de religiosos levava alimentos para uma aldeia da América Hispânica. Daí que o milagre da freira é incentivado às outras freirinhas. A tentativa tem um resultado trágico e irônico. Michael Jackson também continua frustrado depois de saber que Marilyn é casada com um Chaplin que, na verdade, mais parece Hitler. Mister Lonely é um filme sobre solidão, desejo, frustração e sonhos. Além de tudo isso, é também sobre a poesia da imagem. (Dir: Harmony Korine, França, 2006)



ELVIS PELVIS **
Mais um filme da mostra Agnes B., Elvis Pelvis conta a história de um menino que queria ser Jimi Hendrix enquanto seu pai o queria como Elvis. Há um fio de narrativa em prol de um trabalho maior na estética visual do filme. Na infância de Elvis com os pais, filtro amarelo, imagem granulada, planos menos convencionais com câmera ágil, enfatizando com o close alguns objetos. Na segunda parte, fotografia granulada em preto e branco, cortes secos. A mãe de Elvis suicidou-se, o pai mora sozinho e desconhece o paradeiro de Elvis até que eles se encontram e o filho passa a cuidar do pai adoecido. Elvis agora é Jimi. Seu pai não tem mais força para fazê-lo mudar de opinião, forçando-o a ser sósia de Elvis, como na infância. Está resignado em aceitar a ajuda do filho. Esta segunda metade é um pouco extensa e cansativa. Assim como Mister Lonely, Elvis Pelvis foge de um padrão estético de filme pop e quebra a expectativa de quem esperava algum tipo de tratado do mito Elvis. (Dir: Kevin Aduaka, Reino Unido, 2007)

terça-feira, setembro 25, 2007

Começou o Festival do Rio 2007!!!

A imagem do post anterior é a do cine Odeon, na Cinelândia, centro do Rio. A imagem acima é também do Odeon, numa ocasião muito especial: exibição de Os Deuses Malditos, do Visconti, no Festival do Rio 2006. É para comemorar o início do Festival do Rio 2007. Em breve, comentários sobre os filmes que estou assistindo.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Ao espectador de cinema

AO ESPECTADOR DE CINEMA
Trecho retirado do livro Aleksandr Sokurov. Álvaro Machado (org.). São Paulo: Cosac&Naify, 2002.

"Por fim, Torato propõe uma explicação para o caráter hipnagógico (de transição entre vigília e sono) do cinema de Sokurov, citando um trecho do ensaísta Phillip Lopate, que analisa não o cinema do diretor russo mas dois cineastas que este também tomou como modelos, o francês Robert Bresson e o japonês Kenzo Mizoguchi:

Pode parecer afetado falar em assistir a um filme como disciplina meditativa (...), mas há paralelos. Existe um conhecido tipo de meditação que foca a atenção mediante a repetição de um único som ou imagem mental. Não obstante, outras práticas de meditação encorajam a pessoa em repouso a deixar seus pensamentos fluírem livres e desordenados, sem tentar ancorá-los em ponto nenhum. (...) No início, eu costumava resistir a deixar que minha mente vagasse durante a projeção dos filmes e lembrava-me de que estava desperdiçando o preço do ingresso. Mas, assim como na meditação budista a pessoa é ensinada a não repelir os pensamentos mesquinhos ou tolos que surgem, já que essas ‘distrações’ são precisamente o material que constrói a meditação, assim também comecei a permitir que minha mente espectadora fílmica bradasse mais livremente minhas preocupações, ansiedades e lembranças cotidianas que surgiam de alguma associação de imagens. Às vezes, perdia-me em alguma corrente mental por vários minutos, antes de retornar toda a minha atenção para o que se passava na tela; mas, quando voltava a ela, era com uma consciência renovada, uma maior profundidade de sentimentos. (...) Certos tipos de filme – aqueles com recursos estéticos austeros; passada não precipitada; consistência tonal; a tendência a planos longos que se opõem a close-ups; a atenção para as sombras e para o background; e a aceitação madura do sofrimento – me proporcionam um espaço maior para a meditação.

O trecho não foi escrito com a lembrança dos filmes de Sokurov, mas adapta-se perfeitamente ao estilo do diretor e pode auxiliar espectadores que se sentem impacientes ou incapazes de compreender suas imagens a não intimidar-se com quedas de atenção e desfrutar, de alguma maneira, um patrimônio de refinamento, humanismo e espiritualidade."