quarta-feira, setembro 27, 2006

NÓS ALIMENTAMOS O MUNDO, de Erwin Wagenhofen


Documentário austríaco inteligente e conciso que investiga a indústria do alimento na Europa e em alguns outros lugares do mundo, como no Brasil. É interessante ver, por exemplo, o executivo de uma empresa de sementes híbridas que defende o cultivo de sementes orgânicas e a agricultura de subsistência. Altamente contraditório, e por isso mesmo, com grande força argumentativa. No Brasil, uma amostra da destruição da Amazônia a partir do cultivo de soja. Diga-se de passagem: o maior destruidor da floresta e maior exportador de soja chama-se Blairo Maggi, governador do Mato Grosso. Ao abordar o mercado da carne de frango o filme se aproxima muito de A Carne é Fraca, documentário brasileiro interessante para a compreensão do funcionamento e dos custos inimagináveis do gado e das aves. O desfecho com o depoimento do Presidente da Nestlé é, sem dúvida, o clímax do filme. As declarações do sujeito fazem a platéia xingar e vaiar. Imperdível.


Nós Alimentamos o Mundo (We Feed the World) Áustria, 2005, 96min Direção: Erwin Wagenhofer

O ILUSIONISTA, de Neil Burger

O que me levou a ver um filme com esse nome foi a curiosidade pela história e o misticismo com o horário da sessão: Meia-noite. Mas lembrei também da cena de ilusionismo em Cidade dos Sonhos, do David Lynch. O Ilusionista é baseado num conto homônimo do escritor americano Steven Milhauser e narra a história de Eisenheim, um mágico que passou a vida excursionando com seus números pelo mundo e agora retorna à Viena na esperança de rever um amor da infância. O filme é romântico, mágico, extremamente sutil, excelente direção e elenco (destaque para Edward Norton e Paul Giamatti), direção de arte impecável (a história se passa no início do século XX), fotografia esplendorosa e música com um adjetivo de alto quilate: Philip Glass (o filme não seria o que é sem a música). O Ilusionista não é um filme para o grande público, não tem uma grande história, mas é muito sofisticado na forma e no conteúdo.

O Ilusionista (The Illusionist) EUA, 2006, 110min Direção e roteiro: Neil Burger Direção de arte: Ondrej Nekvasil Fotografia: Dick Pope Música: Philip Glass Elenco: Edward Norton, Jessica Biel, Paul Giamatti, Rufus Sewell

FONTE DA VIDA, de Darren Aronofsky

Uma idéia interessante que se transformou num filme extremamente irregular. A passagem de um homem por três épocas diferentes, tendo como eixo sua mulher e a busca pelo mistério da vida. Na primeira fase, no século XVI, o ator Hugh Jackman interpreta um guerreiro defensor da rainha da Espanha (Rachel Weisz atua bem e não tem culpa de interpretar uma rainha espanhola de língua inglesa... quanto mau gosto!), na segunda, tempos atuais, ele é um cientista que busca a vida eterna nos laboratórios enquanto a mulher sofre de câncer (esta é, sem dúvida, a fase menos ruim do filme) e na última fase, século XXVI, um astronauta (bem, o roteiro diz astronauta, mas para mim ele é um místico em busca do nirvana) que busca o elixir da vida. A tentativa de fazer as três histórias se entrecruzarem é um desastre. O diretor cria situações e encenações forçadas. Pra mim, o filme ficou no campo do incompreensível.


Fonte da Vida (The Fountain) EUA, 2006, 96min
Direção e roteiro: Darren Aronofsky Elenco: Hugh Jackman, Rachel Weisz

C.R.A.Z.Y., de Jean-Marc Vallée

De todos os filmes que assisti até agora no Festival do Rio 2006, esse é o filme sensação. O efeito dele no público é parecido com o de Adeus, Lenin! no Festival de 2003. Em C.R.A.Z.Y. a trama se aproxima ainda mais do público e, por isso, ganha mais simpatia. Estão lá o intelectual vítima de chacotas, o esportista, o rebelde e o gay. Sim, é um filme com personagens estereotipados, mas isso não reduz em nada o prazer de ver um filme tão bonito, emocionante e divertido. A trama acompanha a trajetória de vida de Zac, o quarto filho, (Z, a quarta letra de CRAZY), da infância à fase adulta. As descobertas e o crescimento de Zac seguem em paralelo a um dom especial que ele tem desde seu nascimento. Além disso, o que difere Zac dos outros meninos é a sexualidade. Esse é um dos problemas que ameaçam desestruturar o núcleo familiar. Trilha sonora muito bem utilizada: Pink Floyd, Patsie Cline, Rolling Stones, David Bowie. Vou postar um texto maior quando o filme for lançado no Brasil, em novembro.


C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor (C.R.A.Z.Y.) Canadá, 2005
Direção: Jean-Marc Vallée.
Com Marc-André Grondin, Michel Côté, Danielle Proulx, Émile Vallée, Pierre-Luc Brillant, Maxime Trembley, Alex Gravel, Natasha Thompson, Johanne Lebrun, Mariloup Wolfe, Francis Ducharme, Hélène Grégoire.

A PONTE, de Eric Steel

Se eu resolvesse pegar uma câmera e sair por aí procurando as causas do suicídio a partir dos depoimentos de parentes e amigos dos suicidados, eu teria um filme como A Ponte. Acontece que sendo assim, o filme torna-se genérico e clichê demais. Tendo como foco a ponte Golden Gate, em São Francisco, lugar onde mais ocorrem suicídios em todo o mundo, o documentário perde quando deixa de refletir sobre os porquês da freqüência de suicídios naquele local e parte para os depoimentos que nada acrescentam ao filme. O diretor perdeu a oportunidade de fazer um filme mais subjetivo, reflexivo e inteligente. Num único momento, já nos minutos finais, uma depoente relaciona o desejo de dar fim à vida na Golden Gate a um romantismo destrutivo e, por isso, semelhante ao romantismo em torno do álcool. Mas aí já é tarde. Um único depoimento não pode salvar um filme tão ruim.

A Ponte (The Bridge) EUA, 2006, 93min
Direção: Eric Steel

A ÚLTIMA NOITE, de Robert Altman

Tinha muita expectativa com o novo filme de Robert Altman. Fiquei maravilhado com o plano inicial de uma lanchonete à noite que parecia ter sido pintado por Edward Hopper tal era a melancolia e a beleza da luz. Mas foi só isso. O que veio depois foi um sem fim de músicas e jingles de produtos em homenagem ao programa americano de rádio "A Prairie Home Companion". Não acreditei muito que estava diante de um musical meio gospel meio caipira. A trama é o de menos: cantores e locutores da rádio tristes por estarem apresentando o último programa. Entre uma música e outra, os conflitos, as piadas e as lembranças nos bastidores. Não há um roteiro decente. O que poderia ser um filme bonito se tornou um filme cafona. Meryl Streep, Woody Harrelson e Robert Altman. Isso não é o suficiente para me fazer rever esse filme. Uma besteira só. Altamente não recomendável.


A Última Noite (A Prairie Home Companion) EUA, 2006, 103min Direção: Robert Altman Roteiro: Garrison Keillor Elenco: Kevin Kline, Meryl Streep, Lily Tomlin, Woody Harrelson

sábado, setembro 23, 2006

MEDO E OBSESSÃO, de Wim Wenders


Engana-se quem pensa que a guerra surgida na esteira do pós 11 de Setembro está fora do território norte-americano. Em Medo e Obsessão Wim Wenders quer provar que a paranóia dos Estados Unidos transformou a própria nação num campo de batalha. As reminiscências do passado surgem na figura do Sargento Paul, veterano da Guerra do Vietnã, que se crê como a força que vai defender os americanos de ataques que até hoje o governo e os militares não conseguiram identificar a origem. Paul vive num itinerário constante pelas ruas, dentro de uma van equipada de câmeras, gravadores, rádios e todo um aparato tecnológico para espionar elementos suspeitos (leia-se árabes). Na placa de sua van, uma frase: "Unidos nos levantamos". No rádio, um locutor que lê os jornais e anuncia com ironia a inutilidade de tantas informações, já que são mais e mais mentiras vindas da imprensa.

Enquanto isso, Lana vem do Oriente Médio, depois de ter passado muitos anos fora. Traz esperança e a expectativa de encontrar coisas boas em seu país. O que encontra nos subúrbios de Los Angeles é a miséria e o tio Paul, um lunático que oscila entre o patriotismo incomparável dos americanos e a típica ignorância de que são acusados por não conhecerem o que se passa além da fronteira nacional. Lana tenta um reencontro com o tio, mas ele a repele. O que finalmente os une é o assassinato de um homem de etnia árabe que dormia no mesmo abrigo em que Lana se hospeda temporariamente. Paul desconfia do árabe. Paul, assim como as atitudes do governo americano, considera que nada é uma coincidência, mas um sinal. Todos são suspeitos. Tudo precisa ser vigiado. A propósito, o filme de Wim Wenders começa transmitido por uma câmera de vídeo. O que vemos é o que a câmera de Paul flagra. Essa imagem de vídeo menos nítida que a película cinematográfica pode ser interpretada como a câmera de Paul, mas quando essa estética passa a ser a fotografia permanente do filme, pode se pensar que Wim Wenders procura uma aproximação com o documentário. É para dizer que o que ele filmou está tão próximo da realidade que a diferença entre ficção e documentário é o que menos importa.

Quanto ao árabe morto, Paul descobre que não havia nenhum fato suspeito ligado a ele. O que existe é o passado do Vietnã aterrorizando o presente do 11 de Setembro, é o medo de repetir a derrota (derrota que Paul desconhece). Há em Medo e Obsessão metáforas interessantes para falar de uma mídia monopolizada pela idéia de terrorismo eminente, como a velhinha que não consegue se levantar da cama para mudar o canal da televisão. Ela tem em suas mãos o controle remoto, mas este não muda o canal, só altera o volume. O que ela é obrigada a ver é um discurso de George W. Bush.

Depois de constatada a paranóia a respeito do árabe, Paul entra num bar chamado "Finish Line". Lana não foi contaminada pelo discurso do tio porque conheceu países bem diferentes do seu. E parece ser esse, talvez, um antídoto anti-etnocêntrico. Não querer a morte de mais pessoas em nome das que morreram no World Trade Center.

Esse filme seria cômico se não fosse trágico. Mas se Wim Wenders pareceu querer fazer escárnio com os Estados Unidos, na verdade isso foi uma primeira impressão. O que ele fez foi uma grande homenagem ao país. Além de todo o desfecho da história, o movimento final de uma câmera que parte do vazio deixado pelo WTC e vai subindo até o azul celeste parece apontar para a vontade de superação e a constatação de que estamos todos sob o mesmo céu.

Obs1.: Wim Wenders continua seguindo a trilha das boas músicas. O som agora é Travis.

Obs2.: Mais uma constatação da idéia do filme. O título traduzido literalmente é Terra de Abundância.

Medo e Obsessão (Land of Plenty) Alemanha / EUA, 2004, 123 min
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders e Michael Meredith
Fotografia: Franz Lustig
Edição: Moritz Laube
Elenco: John Diehl, Michelle Williams, Shaun Toub, Wendell Pierce, Richard Edson, Burt Young

quinta-feira, setembro 21, 2006

DÁLIA NEGRA, de Brian De Palma


No cinema, a narrativa em flashback é a mais utilizada quando se quer remeter ao passado, sem estar exatamente no passado. Ainda não inventaram ou não popularizaram um formato diferente. O excesso de flashbacks pode destruir um bom filme (uma observação é que, por analogia, na vida real, voltar ao passado, remoer acontecimentos também pode ser destrutivo para quem o faz). A despeito dessa possibilidade, com toda a quantidade de flashbacks de Dália Negra, este novo filme de Brian De Palma passa ao largo do medíocre. E qual seria a saída para contar uma história passada na década de 40 senão trabalhar com a estética fílmica de 40? Isso não é nenhuma novidade. Também não é novidade a narrativa clássica que Brian De Palma dá ao filme. É também assim que se conta uma história nos tempos áureos da Hollywood. Não há, portanto, na direção de Dália Negra um cineasta inventor, mas um cineasta mestre, para ficar nas divisões propostas pelo crítico José Lino Grunewald. Ao mostrar o seu potencial para fazer um revival dos filmes noir, Brian De Palma mostra que aprendeu bem a lição com os inventores.
Como em Os Intocáveis, estão lá os móveis e as paredes em madeira e o facho de luz diurna que penetra o departamento de polícia. De filme noir, talvez o mais marcante seja a forma como os personagens são explorados. A persona do policial, que por si só já é um elemento constante do noir, está aqui encarnada na dupla Bucky Bleichert (Josh Hartnett) e Lee Blanchard (Aaron Eckhart). No passado, ambos lutaram como boxeadores (The Ice e The Fire, respectivamente). Agora, uma luta entre os dois para promover reivindicações da corporação policial faz brotar uma relação de amizade, além da parceria de profissão. Assim, Bucky é trazido para a casa de Blanchard e apresentado à sua mulher, a sensual Kay Lake (Scarlett Johansson), personagem que está no limiar entre a femme fatale e a mocinha salva pelo herói. Está formado um triângulo amoroso em potencial que resiste à explosão. Femme fatale mesmo é Madeleine Linscott (Hilary Swank), personagem-chave para o desencadeamento da trama.
Ter como cenário a Hollywood é ponto de partida para a metalinguagem: 1) procura-se o autor do brutal assassinato da atriz Elizabeth Short, a Dália Negra. 2) O roteiro, baseado no romance homônimo de James Ellroy (mesmo autor de Los Angeles - Cidade Proibida) vai mais fundo nas referências, associando o filme O Homem que Ri (1927) às pistas para a descoberta do assassino (curiosidade: o ator de O Homem que Ri, filme de Paul Leni, é Conrad Veidt, o sonâmbulo de O Gabinete do Dr. Caligari). 3) a cena final de Ramona Linscott (Fiona Shaw) é uma clara alusão à cena final de Norma Desmond, a diva de Crepúsculo dos Deuses, quando surge no patamar superior da escadaria. Ambas reivindicam a exclusividade das luzes da ribalta. E por último, uma excelente frase (mais compreensível no contexto do filme) pronunciada por um personagem diante do corpo da Dália: "Hollywood usa você quando mais ninguém usa".

Dália Negra (Black Dahlia) EUA, 2006, 121 min
Direção: Brian De Palma
Roteiro: Josh Friedman, baseado no romance homônimo de James Ellroy
Fotografia: Vilmos Zsigmond
Direção de arte: Pier-Luigi Basile / Christopher Tandon
Edição: Bill Pankow
Elenco: Josh Hartnett, Scarlett Johansson, Aaron Eckhart, Hilary Swank, Mia Kirshner, Mike Starr, Fiona Shaw, Patrick Fischler

terça-feira, setembro 05, 2006

O TEMPO QUE RESTA, de François Ozon


Apesar de gostar muito dos filmes do François Ozon, fui assistir a O Tempo Que Resta com um pouco de resistência à história. Soa clichê demais um jovem com câncer generalizado, em estado terminal, que se revolta contra todos. Mas é isso mesmo. O desafio de Ozon me lembra, em diferentes proporções, o desafio de Flaubert, escrito por ele mesmo no prefácio de Madame Bovary: "andar sobre o fio de um cabelo, dependurado entre o duplo abismo do lirismo e da vulgaridade (que quero fundir numa análise narrativa)". É isso o que me atrai nos filmes do Ozon. A releitura dos clichês. O risco de ser ridículo. É por isso que o novo filme, assim como este último que postei, consegue passar pelo melodrama sem se prender nele. Inclusive algumas cenas de flashback, em que o menino Romain é beijado no rosto por um outro menino, me lembraram Almodóvar, mais especificamente em Má Educação. A descoberta do câncer aos 31 anos leva Romain a um outro chavão: romper com namorado e brigar com todos ao seu redor.

O tom do filme muda com a entrada de Jeanne Moreau. O tom do filme e a minha percepção. Pois comecei a ver O Tempo Que Resta com outro olhar. A questão do tempo, explorada na tela, para mim se deu primeiro fora do filme. É porque comecei a pensar no potencial do cinema. É porque lembrei que há menos de duas horas, naquele mesmo dia, num outro cinema, a alguns poucos quilômetros daquele onde eu estava, Jeanne Moreau fazia graça como a graciosa Catherine, de Jules et Jim. Como pode Jeanne deslocar 40 anos em menos de duas horas? O tempo do cinema foi imprescindível para isso. É uma pergunta com resposta óbvia, mas que instiga o pensamento. E foi assim que entrei no filme. Emocionado em ver Moreau com o mesmo olhar encantador e beleza diferente, agora coberta pelas marcas do tempo.

Foi o tempo também que fez Romain lamentar a diferença de idade entre ele e a avó. Caso contrário, teriam se casado, tamanha a semelhança de idéias. A maior semelhança, conforme Romain confessa à avó, é que ambos morrerão em breve. Ela, pela velhice. Ele, pelo câncer. Mas Moreau entra só para dar a virada. Sai logo de cena.

Romain, fotógrafo de moda, deixa o emprego. Agora fotografa na câmera amadora cenas do cotidiano. Guarda para si imagens simples, como a da irmã brincando com os filhos numa praça. Romain passa a aproveitar seus últimos meses de vida. Recebe num café um convite inusitado para um ménage à trois para fins de reprodução. A garçonete Jany, interpretada por Valeria Bruni Tedeschi - atriz que teve a performance elogiada no último filme de Ozon - procura alguém que a fecunde com o consentimento do marido, já que este é infértil. Passando pelo contra-luz muito bem cuidado (Ozon filma com muito apuro) ao constrangimento que os atores dão aos três personagens, o ménage à trois é um dos melhores já feitos no cinema.

Um filme que teria a morte como desfecho esperado, cria uma situação de incerteza semelhante a Sob a Areia, outro filme de Ozon. A beleza da cena final perdura como a estada de Romain, deitado na areia da praia, com pessoas ao seu redor, primeiro se divertindo, conversando, brincando e, aos poucos, voltando para suas casas. O sol se pondo sobre o mar e a tela escurecendo.

O Tempo que Resta (Le Temps Qui Reste), França, 2005, 85 min Direção: François Ozon Roteiro: François Ozon Fotografia: Jeanne Lapoirie Edição: Monica Coleman Elenco: Mevil Poupaud, Jeanne Moreau, Daniel Duva, Valeria Bruni Tedeschi