terça-feira, setembro 05, 2006

O TEMPO QUE RESTA, de François Ozon


Apesar de gostar muito dos filmes do François Ozon, fui assistir a O Tempo Que Resta com um pouco de resistência à história. Soa clichê demais um jovem com câncer generalizado, em estado terminal, que se revolta contra todos. Mas é isso mesmo. O desafio de Ozon me lembra, em diferentes proporções, o desafio de Flaubert, escrito por ele mesmo no prefácio de Madame Bovary: "andar sobre o fio de um cabelo, dependurado entre o duplo abismo do lirismo e da vulgaridade (que quero fundir numa análise narrativa)". É isso o que me atrai nos filmes do Ozon. A releitura dos clichês. O risco de ser ridículo. É por isso que o novo filme, assim como este último que postei, consegue passar pelo melodrama sem se prender nele. Inclusive algumas cenas de flashback, em que o menino Romain é beijado no rosto por um outro menino, me lembraram Almodóvar, mais especificamente em Má Educação. A descoberta do câncer aos 31 anos leva Romain a um outro chavão: romper com namorado e brigar com todos ao seu redor.

O tom do filme muda com a entrada de Jeanne Moreau. O tom do filme e a minha percepção. Pois comecei a ver O Tempo Que Resta com outro olhar. A questão do tempo, explorada na tela, para mim se deu primeiro fora do filme. É porque comecei a pensar no potencial do cinema. É porque lembrei que há menos de duas horas, naquele mesmo dia, num outro cinema, a alguns poucos quilômetros daquele onde eu estava, Jeanne Moreau fazia graça como a graciosa Catherine, de Jules et Jim. Como pode Jeanne deslocar 40 anos em menos de duas horas? O tempo do cinema foi imprescindível para isso. É uma pergunta com resposta óbvia, mas que instiga o pensamento. E foi assim que entrei no filme. Emocionado em ver Moreau com o mesmo olhar encantador e beleza diferente, agora coberta pelas marcas do tempo.

Foi o tempo também que fez Romain lamentar a diferença de idade entre ele e a avó. Caso contrário, teriam se casado, tamanha a semelhança de idéias. A maior semelhança, conforme Romain confessa à avó, é que ambos morrerão em breve. Ela, pela velhice. Ele, pelo câncer. Mas Moreau entra só para dar a virada. Sai logo de cena.

Romain, fotógrafo de moda, deixa o emprego. Agora fotografa na câmera amadora cenas do cotidiano. Guarda para si imagens simples, como a da irmã brincando com os filhos numa praça. Romain passa a aproveitar seus últimos meses de vida. Recebe num café um convite inusitado para um ménage à trois para fins de reprodução. A garçonete Jany, interpretada por Valeria Bruni Tedeschi - atriz que teve a performance elogiada no último filme de Ozon - procura alguém que a fecunde com o consentimento do marido, já que este é infértil. Passando pelo contra-luz muito bem cuidado (Ozon filma com muito apuro) ao constrangimento que os atores dão aos três personagens, o ménage à trois é um dos melhores já feitos no cinema.

Um filme que teria a morte como desfecho esperado, cria uma situação de incerteza semelhante a Sob a Areia, outro filme de Ozon. A beleza da cena final perdura como a estada de Romain, deitado na areia da praia, com pessoas ao seu redor, primeiro se divertindo, conversando, brincando e, aos poucos, voltando para suas casas. O sol se pondo sobre o mar e a tela escurecendo.

O Tempo que Resta (Le Temps Qui Reste), França, 2005, 85 min Direção: François Ozon Roteiro: François Ozon Fotografia: Jeanne Lapoirie Edição: Monica Coleman Elenco: Mevil Poupaud, Jeanne Moreau, Daniel Duva, Valeria Bruni Tedeschi

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny