A narrativa cinematográfica contemporânea já mergulhou à exaustão no curso não-linear da história. Muitas vezes não fica claro porque o diretor decide montar o filme fora da cronologia linear. Mas há os exemplos interessantes, como 21 gramas, Amores Brutos e Irreversível. Em O Amor em Cinco Tempos, entretanto, em si, a montagem de trás para frente fala menos que o efeito produzido pela mesma. Não quer dizer que a montagem seja pouco significativa, mas que o resultado alcançado por Ozon se livra de qualquer virtuosismo meramente técnico. Contar de trás para frente a história de desapaixonamento entre Gilles e Marion provoca e revela a vontade de Ozon de amenizar o impacto de um fim de caso. Ou tudo isso pode simplesmente ser lido como ironia do diretor. Considerando-se a primeira hipótese, já que a segunda não produziria muito assunto, o filme de Ozon parte de uma imagem corriqueira nos dias atuais: marido e mulher, sentados diante de um juiz, ouvindo as novas regras, os valores da pensão e os horários que deverão estar com os filhos. No caso de Gilles e Marion, o filho Nicolas. Ainda nesta primeira esquete, depois do divórcio, a frase "Você quer tentar mais uma vez?", pronunciada pelo marido à mulher, por um momento insinua uma estranha reconciliação num quarto de hotel onde Gilles e Marion se escondem, fugindo do peso da palavra casamento. A iluminação sobre personagens e objetos é tão fria quanto a infeliz tentativa da relação sexual (ver foto acima). Na segunda parte, Marion, Gilles, o irmão homossexual dele e o namorado - bem mais novo que ele, por sinal - conversam sobre sexo, compromisso, fidelidade. E aí que começa a ser desenhada a visão que teremos do relacionamento de Gilles e Marion: ele confessa ao irmão que já traiu Marion com mulheres e homens (na época, ambos estavam numa festa que, ao final, se tornou uma orgia. Marion preferiu ficar de fora; Gilles pediu o consentimento da mulher e esta deixou que o marido tomasse a decisão). Na terceira parte, Marion está grávida. Nesse episódio o sentimento de Gilles em relação à mulher torna-se ainda mais questionável. Gilles simplesmente deixa Marion sozinha na maternidade. Não consegue se aproximar da mulher. O que fica explícita é a ausência e a incapacidade de Gilles de estar presente em importantes momentos do casal: a lua de mel, o nascimento do filho. Na quarta parte do filme (ou segunda, na cronologia do casal), a cena do casamento de Gilles e Marion. Ao final da festa, no quarto de hotel, a lua de mel do casal é relegada por Gilles, que dorme em sono profundo. Marion sai para arejar a cabeça e tem a oportunidade de vingar-se do marido, traindo-o com um americano que tenta forçá-la a ter relação sexual com ele. Na quinta e última parte, quando Marion e Gilles iniciam um relacionamento amoroso, a música pop italiana que costurou o filme tem sua razão de ser: o então jovem Gilles passa férias na Sicília, acompanhado da namorada Valérie, quando encontra a colega de trabalho Marion. A partir daí a relação de Gilles com Valérie começa a se desfazer e dá lugar ao interesse dele por Marion. Na cena final, Gilles e Marion caminham na beira da praia, em direção ao infinito, num cenário paradisíaco, propositadamente clichê ao extremo. Mas o encanto, o infinito, só podem mesmo ser traduzidos pelo "que seja eterno enquanto dure" porque para nós, espectadores, já acabou há uma hora e meia.
P.S.: François Ozon, na minha opinião, é um dos maiores destaques do cinema francês atual. Gosto do tão criticado, mas para mim enigmático Swimming Pool, do bem-humorado 8 Mulheres e considero Sob a Areia um dos melhores filmes neste ano.
O Amor em Cinco Tempos (5 x 2 - Cinq foix deux), França, 2004, 90 min Direção: François Ozon Roteiro: François Ozon e Emmanuèle Bernheim Fotografia: Yorick Le Saux Edição: Monica Coleman Elenco: Valeria Bruni Tedeschi, Stéphanie Freiss, Géraldine Pailhas, Françoise Fabian, Michael Lonsdale, Antoine Chappey, Marc Ruchmann, Yannis Belkacem, Nínon Brétécher
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