sábado, setembro 23, 2006

MEDO E OBSESSÃO, de Wim Wenders


Engana-se quem pensa que a guerra surgida na esteira do pós 11 de Setembro está fora do território norte-americano. Em Medo e Obsessão Wim Wenders quer provar que a paranóia dos Estados Unidos transformou a própria nação num campo de batalha. As reminiscências do passado surgem na figura do Sargento Paul, veterano da Guerra do Vietnã, que se crê como a força que vai defender os americanos de ataques que até hoje o governo e os militares não conseguiram identificar a origem. Paul vive num itinerário constante pelas ruas, dentro de uma van equipada de câmeras, gravadores, rádios e todo um aparato tecnológico para espionar elementos suspeitos (leia-se árabes). Na placa de sua van, uma frase: "Unidos nos levantamos". No rádio, um locutor que lê os jornais e anuncia com ironia a inutilidade de tantas informações, já que são mais e mais mentiras vindas da imprensa.

Enquanto isso, Lana vem do Oriente Médio, depois de ter passado muitos anos fora. Traz esperança e a expectativa de encontrar coisas boas em seu país. O que encontra nos subúrbios de Los Angeles é a miséria e o tio Paul, um lunático que oscila entre o patriotismo incomparável dos americanos e a típica ignorância de que são acusados por não conhecerem o que se passa além da fronteira nacional. Lana tenta um reencontro com o tio, mas ele a repele. O que finalmente os une é o assassinato de um homem de etnia árabe que dormia no mesmo abrigo em que Lana se hospeda temporariamente. Paul desconfia do árabe. Paul, assim como as atitudes do governo americano, considera que nada é uma coincidência, mas um sinal. Todos são suspeitos. Tudo precisa ser vigiado. A propósito, o filme de Wim Wenders começa transmitido por uma câmera de vídeo. O que vemos é o que a câmera de Paul flagra. Essa imagem de vídeo menos nítida que a película cinematográfica pode ser interpretada como a câmera de Paul, mas quando essa estética passa a ser a fotografia permanente do filme, pode se pensar que Wim Wenders procura uma aproximação com o documentário. É para dizer que o que ele filmou está tão próximo da realidade que a diferença entre ficção e documentário é o que menos importa.

Quanto ao árabe morto, Paul descobre que não havia nenhum fato suspeito ligado a ele. O que existe é o passado do Vietnã aterrorizando o presente do 11 de Setembro, é o medo de repetir a derrota (derrota que Paul desconhece). Há em Medo e Obsessão metáforas interessantes para falar de uma mídia monopolizada pela idéia de terrorismo eminente, como a velhinha que não consegue se levantar da cama para mudar o canal da televisão. Ela tem em suas mãos o controle remoto, mas este não muda o canal, só altera o volume. O que ela é obrigada a ver é um discurso de George W. Bush.

Depois de constatada a paranóia a respeito do árabe, Paul entra num bar chamado "Finish Line". Lana não foi contaminada pelo discurso do tio porque conheceu países bem diferentes do seu. E parece ser esse, talvez, um antídoto anti-etnocêntrico. Não querer a morte de mais pessoas em nome das que morreram no World Trade Center.

Esse filme seria cômico se não fosse trágico. Mas se Wim Wenders pareceu querer fazer escárnio com os Estados Unidos, na verdade isso foi uma primeira impressão. O que ele fez foi uma grande homenagem ao país. Além de todo o desfecho da história, o movimento final de uma câmera que parte do vazio deixado pelo WTC e vai subindo até o azul celeste parece apontar para a vontade de superação e a constatação de que estamos todos sob o mesmo céu.

Obs1.: Wim Wenders continua seguindo a trilha das boas músicas. O som agora é Travis.

Obs2.: Mais uma constatação da idéia do filme. O título traduzido literalmente é Terra de Abundância.

Medo e Obsessão (Land of Plenty) Alemanha / EUA, 2004, 123 min
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders e Michael Meredith
Fotografia: Franz Lustig
Edição: Moritz Laube
Elenco: John Diehl, Michelle Williams, Shaun Toub, Wendell Pierce, Richard Edson, Burt Young

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