segunda-feira, setembro 10, 2007

Ao espectador de cinema

AO ESPECTADOR DE CINEMA
Trecho retirado do livro Aleksandr Sokurov. Álvaro Machado (org.). São Paulo: Cosac&Naify, 2002.

"Por fim, Torato propõe uma explicação para o caráter hipnagógico (de transição entre vigília e sono) do cinema de Sokurov, citando um trecho do ensaísta Phillip Lopate, que analisa não o cinema do diretor russo mas dois cineastas que este também tomou como modelos, o francês Robert Bresson e o japonês Kenzo Mizoguchi:

Pode parecer afetado falar em assistir a um filme como disciplina meditativa (...), mas há paralelos. Existe um conhecido tipo de meditação que foca a atenção mediante a repetição de um único som ou imagem mental. Não obstante, outras práticas de meditação encorajam a pessoa em repouso a deixar seus pensamentos fluírem livres e desordenados, sem tentar ancorá-los em ponto nenhum. (...) No início, eu costumava resistir a deixar que minha mente vagasse durante a projeção dos filmes e lembrava-me de que estava desperdiçando o preço do ingresso. Mas, assim como na meditação budista a pessoa é ensinada a não repelir os pensamentos mesquinhos ou tolos que surgem, já que essas ‘distrações’ são precisamente o material que constrói a meditação, assim também comecei a permitir que minha mente espectadora fílmica bradasse mais livremente minhas preocupações, ansiedades e lembranças cotidianas que surgiam de alguma associação de imagens. Às vezes, perdia-me em alguma corrente mental por vários minutos, antes de retornar toda a minha atenção para o que se passava na tela; mas, quando voltava a ela, era com uma consciência renovada, uma maior profundidade de sentimentos. (...) Certos tipos de filme – aqueles com recursos estéticos austeros; passada não precipitada; consistência tonal; a tendência a planos longos que se opõem a close-ups; a atenção para as sombras e para o background; e a aceitação madura do sofrimento – me proporcionam um espaço maior para a meditação.

O trecho não foi escrito com a lembrança dos filmes de Sokurov, mas adapta-se perfeitamente ao estilo do diretor e pode auxiliar espectadores que se sentem impacientes ou incapazes de compreender suas imagens a não intimidar-se com quedas de atenção e desfrutar, de alguma maneira, um patrimônio de refinamento, humanismo e espiritualidade."

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