terça-feira, fevereiro 14, 2006

FELIZES JUNTOS, de WONG KAR-WAI




O efeito 2046 possibilitou uma retrospectiva no Odeon de quatro filmes do diretor chinês radicado em Hong Kong Wong Kar-Wai. Os filmes ("Anjos caídos", "Amores expressos", "Felizes juntos" e "Amor à flor da pele") de Kar Wai tornaram-se conhecidos graças ao grande sucesso deste último, que teve sua estréia no Brasil em 2001. Eu, antes de Amor à flor da pele, conhecera no início de 2005, dentro da mostra de filmes road movie, promovida pelo CCBB, o filme Felizes juntos. Daquela sessão, lembro do meu fascínio com a explosão das cores e do tango que davam o tom à história de paixão dilacerante entre dois jovens que deixaram Hong Kong para tentar a vida em Buenos Aires. Da sessão mais recente que assisti, tudo isso se renovou, mas assistindo também à Amor à flor da pele e 2046 (os três filmes em menos de duas semanas), ficaram na minha cabeça muitas perguntas. Dentre tantas, pergunto-me retoricamente: que diabos tem a ver a fumaça do cigarro com as histórias de Kar-Wai? Nos três filmes, uma ou várias tomadas de uma fumaça que sobe em câmera lenta e some, tão fugaz quanto o pensamento do dono do cigarro. E o que mais tem os objetos em cena nos filmes de Kar-Wai? Em Felizes juntos, Fai e Po-Wing materializam num abajour barato que reproduz quedas d'água o sonho em chegar às Cataratas do Iguaçu. Entretanto, ambos precisam trabalhar duro, seja fotografando turistas na porta de um bar, seja lavando pratos num restaurante ou até mesmo vendendo o corpo. As cenas externas, de noites frias e ao som do tango de Astor Piazolla diante do Bar Sur contrastam com as cores fortes e o clima sufocado no quarto do Cosmos Hotel, onde as brigas de Fai e Po-Wing têm sempre como fundo sonoro e cenográfico a TV ligada num programa popular de auditório ou o rádio sintonizado numa estação de músicas bregas. O tango de Piazolla, afinal, não lhes fala à alma, ele fala de Buenos Aires, e Fai e Po-Wing carecem de um lugar que não os deixe à margem. Por isso, querem voltar para a Hong Kong, ainda que a colônia até então britânica esteja sob ameaça da censura comunista agora que está sendo devolvida à China. A atração entre os personagens é tão grande que nem mesmo a clássica piada com o "sair para comprar cigarros" e não voltar nunca mais não funciona. Po-Wing sai para comprar cigarros (aos montes) e volta. Volta para a luta de corpos que alterna violência e agressão com paixão e carícias. As cenas iniciais em preto e branco só terminam quando Po-Wing e Fai se entendem, apesar das desavenças no relacionamento ao longo de todo o filme. Com a inevitável separação, menos pela instabilidade da relação do que pelos anseios de Fai em voltar para casa, percebe-se que o Felizes juntos foi tão forte e explosivo quanto transitório e etéreo.

Felizes juntos (Cheun Gwong tsa sit), Hong Kong, 1997, 98 min
Direção: Wong Kar-Wai
Fotografia: Chistopher Doyle (também de "Eros", "2046", "Amor à flor da pele", "Anjos caídos", "Amores expressos")
Elenco: Tony Leung Chiu-Wai, Leslie Cheung, Chen Chang, Gregory Dayton

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