Imagens da estrada vistas em travelling. No intervalo entre os travellings, no momento em que o olho consegue captar algo dos rápidos movimentos, vemos pessoas paradas num plano aberto para depois vê-las em close. Novamente o travelling e a alternância com as pessoas e close delas. Em Transylvania, já de início busca-se uma identidade, Zingarina busca algo que está além do pretexto em sair do sul da França para procurar o namorado que a deixou. Afinal, depois de sabermos que Milan, o namorado, abandonou Zingarina, e não foi deportado, como ela pensava ter acontecido, começa a parecer provável o auto-engano inconsciente empreendido pela personagem para que pudesse fugir ou buscar um encontro em outras terras. Milan fica, portanto, como uma peça sem importância na trama, uma fagulha para algo maior.
O algo maior é a música, a liberdade, o nomadismo e as incertezas, componentes que passarão a fazer parte da vida de Zingarina. As músicas, por exemplo, quase todas compostas por Tony Gatlif, diretor também de Exílios, quase se excedem em tentar transbordar a musicalidade do povo romeno, aproximando-se de uma visão quase caricata, ainda que Gatlif seja descendente de ciganos. É a mesma constante musical que incomoda Zingarina e a amiga Marie, no início da viagem. Mais tarde, Zingarine abandona Marie e assimila a musicalidade cigana na própria personalidade. Em todo o filme, a música cumpre a função de exorcizar tristezas ou celebrá-las para esquecê-las. Em contrapartida à esta música popular como expressão, a música sacra é usada para exorcizar o que há de “mau” em Zingarina quando esta visita um templo religioso. O que se tenta exorcizar ali é a vontade de liberdade e de vampirismo desterritorializado e destemporalizado na terra do conde Drácula.
No meio da viagem, Zingarina encontra Tchengalo, outro nômade que comercializa ouro e prata. Se por um lado, a identidade franco-italiana de Zingarina, se é que essa identidade chegou a se solidificar, é questionada por Tchengalo: “Quem é você? Não posso imaginar de onde você vem.”, Zingarina também, quando confunde um outro homem com Milan, ao dizer que todos são iguais, recebe a resposta de que “somos todos da mesma família, ciganos, romenos e húngaros”. De fato, quando já está prestes a parir o filho concebido na França com Milan, chama este de bastardo sem se dar conta de que, na verdade, o bastardo seria seu filho. Não fosse o sentimento de irmandade, já declarado pelos romenos, o filho que nasce não estaria sendo adotado por Tchengalo, outro nômade e agora pai por afeto.
A liberdade tem um preço. Ao final, quando Tchengalo chega para ver Zingarina e o filho recém-nascido e não os encontra, o temor é de que o nomadismo dela tenha ultrapassado a vontade de viver junto. Ele se vale das lembranças para trazer Zingarina de volta, como quando compra o urso de brinquedo num bar. Entretanto, Tchengalo volta novamente ao lugar onde Zingarina estava e a encontra, munida de um sorriso que o recompensa pelo retorno ao lar. Fica a vontade do espectador de que tudo não passasse de um sonho, que o sorriso fosse real e a leveza do ser fosse mesmo insustentável. Mas fica também a possibilidade de uma vida sem raízes, sem amarras, fugidia. Um elogio à liberdade.
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Destaque para a direção, para a fotografia e para as atuações de Asia Argento e Biron Ünel, além das músicas, que deixam os espectadores batendo os pés nos créditos finais.
Transylvania (Transylvania), França, 2006, 103min
Direção e roteiro: Tony Gatlif
Fotografia: Céline Bozon
Montagem: Monique Dartonne
Música: Tony Gatlif e Delphine Mantoulet
Elenco: Asia Argento, Biron Ünel, Amira Casar, Alexandra Beaujard, Marco Castoldi
2 comentários:
Apesar de não ter gostado tanto assim de Exílios, tou com uma puta curiosidade em relação ao novo trabalho do Gatlif. Esse universo cigano muito me interessa: a errância, o deslocamento. Ah, e tem Asia Argento, tem essa moça linda!!!
Oi Marcos, acredita que ainda não vi o Exílios!? Vou pegar na locadora. Gostei muito do Transylvania, mas vi muita gente dizendo que o filme tem um roteiro perdido. Não achei, não. Acho que a errância e o deslocamento, que você citou, acaba sendo uma constante do filme. E a Asia Argento é simplesmente maravilhosa! Um abraço!
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