quarta-feira, março 22, 2006

LAST DAYS, de Gus Van Sant


Festival do Rio 2005
Para assistir ao filme do Gus Van Sant, precisei acordar cedo: às 12h40, estava eu plantado no início de fila que já se formava na bilheteria do Odeon. Tempo nublado e a eterna corrente de ventos frios que sempre há - chova ou faça sol - naquele corredor entre o Passeio Público e o cine Palácio. Pensando já em como poderia ser a abordagem de Gus Van Sant a respeito da inspiração livre na trágica morte de Kurt Cobain, olhava para os tantos pés de adolescentes na fila, que calçavam all star não-importa-a-cor. Será que o all star significa um público alternativo ou serão estes fãs enlouquecidos do finado Cobain que vieram achincalhar Van Sant?? Às 14h, finalmente o ingresso. Fade... passagem do tempo... muitas horas depois... Às 21h30, eu chegava a uma Cinelândia fria, chuvosa e lotada de guarda-chuvas. Ainda havia pessoas na fila comentando a presença do diretor sem saber que ele dera um bolo no festival. Entramos eu, amigos e conhecidos que lá encontrei. A proposta de um amigo foi de subirmos para apreciar o filme por um "outro ponto de vista". Literalmente. Apesar de freqüentador assíduo da sala, nunca havia estado lá próximo ao céu do Odeon, próximo ao admirável lustre. O medo era de não conseguir acompanhar bem as legendas eletrônicas, que ficam abaixo da tela. Mas deu. Se não desse, não faria tanta diferença. Last Days tem poucos diálogos. Os existentes querem dizer algo, mas esse algo, quase sempre, é o excesso que talvez tenha motivado o 'exílio' de Blake, interpretado por Michael Pitt. A primeira imagem de Blake é estranha: ele caminha, completamente sujo, com o corpo encurvado, na floresta, murmurando palavras ou melodias quase inaudíveis. A câmera segue Blake num plano-seqüência até sua chegada a um casarão. Partindo do princípio de que todos já sabemos o trágico final de Blake / Cobain, o diretor enfatiza a forma da narrativa em detrimento de suspenses e surpresas. Não há nenhum grande acontecimento, mas minúcias e fragmentos de uma história quase onírica e impressionista, tanto nas imagens quanto na velocidade do filme. Como em Elefante (segundo filme de uma trilogia iniciada por Gerry), as histórias são contadas mais de uma vez, por ângulos diferentes, insinuando que a verdade está no olhar de cada um e não no fato. Van Sant concebe idéias pela forma como filma: há, por exemplo, em determinada cena, uma câmera estática, sem cortes e, diante dela, as coisas, importantes ou não, acontecem. Blake conversa ao fundo ao tempo em que outras pessoas cruzam o primeiro plano. A condição de rock star não alivia as dores de Blake, ele não é o centro do mundo. O sarcasmo maior (humor negro, diria) está em deixar agonizar um Blake completamente deprimido, caído no chão, enquanto na TV vemos o clip inteiro do grupo Boys II Men miando uma tristeza falsa, plástica, enfim, um jeito pop-MTV de ser. Gus Van Sant não explica os motivos de Blake. Quem fará isso é a mídia, que tem seu papel secundarizado em Last Days. Diante da televisão que noticia a morte do ídolo, os amigos, em estado completamente letárgico (uma constante de todos os personagens durante todo o filme) discutem uma forma de sair da casa sem terem seus rostos dissecados pelos flashes fotográficos. A partir das próximas horas, estará criado um novo mito. Mas aí não é mais com Gus Van Sant. Corta.


Last Days (sem lançamento no Brasil), EUA, 2005, 97min Direção, roteiro e montagem: Gus Van Sant Fotografia: Harris Savides Música original: Rodrigo Lopresti Direção de arte: Tim Grimes Elenco: Michael Pitt, Lukas Haas, Asia Argento, Scott Patrick Green, Nicole Vicius

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