sexta-feira, maio 26, 2006

V DE VINGANÇA, de James McTeigue


Todas as vezes em que assisto a um filme "made in USA" que aponta para idéias revolucionárias fico pensando nos executivos da indústria cinematográfica de Hollywood receosos do efeito do filme no espectador: se ele vai suscitar o espírito inconformado que está adormecido ou se as coisas vão continuar como estão, ou seja, o espectador, anestesiado que está pelos discursos que defendem o sistema que rege a vida em sociedade, vai levantar da poltrona nos créditos finais e seguir para casa como se nada tivesse acontecido. Se se pensar positivamente, talvez o diretor e o roteirista tenham mesmo uma idéia de fazer as pessoas saírem do status quo. Mas Hollywood certamente não pensa assim. Hollywood é parte do que chamamos de cultura de massa e por isso tem a tarefa de englobar todo o tipo de discurso político, social ou cultural alternativos e torná-los mais uma arma de argumentação para a venda desenfreada de seu produto. Basta olhar para o punk chique ou para a cópia ad nauseam que fizeram da sociedade alternativa da década de 60. A crítica pesada a Hollywood não é de ordem puramente estética (apesar do excesso de blockbusters, a produção americana é muito boa, sim), mas política (o cinema americano é responsável pelo sufocamento paulatino da produção cinematográfica mundial ao longo de décadas). Hollywood, curiosamente, come poeira da Índia, a Bollywood, que produz mais de 800 filmes por ano e tem público médio de 2,8 bilhões de espectadores contra a média americana de 500 filmes anuais e 1,6 bilhões de espectadores, mas nem por isso deixa de ser a principal referência no imaginário cinematográfico da maioria.

Ok, ok. Eu paro de divagar, mas pensei em tudo isso depois de assistir à V de Vingança porque, a despeito de todas as infidelidades cometidas pelos roteiristas em relação à história original (os quadrinhos da DC Comics), como apontam os mais críticos, acho que a produção da Warner cumpre seu papel fazendo as pessoas discutirem, por exemplo, a pertinência de uma cena em que um trem recheado de dinamites explode o Big Ben (queria ver a cara do Tony Blair e da Rainha Elizabeth nessas horas). Através de um enredo que se volta a um passado de 400 anos, quando em 1605 o conspirador Guy Fawkes tentou explodir o parlamento inglês e destituir o rei James, e a um outro passado mais recente, quando V esteve encarcerado como vítima de experiências de médicos muito semelhantes aos do regime nazi-fascista, V de Vingança narra a história de seu personagem-título na tentativa de derrubar o governo totalitário que está tomando conta da vida da sociedade por meio de câmeras em todos os lugares (com o velho discurso da segurança pública) e controle absoluto da mídia (bem no nível de Mussolinis, Stalins e Berlusconis).

O ponto central da idéia de V para derrubar o poder do Estado e fundar a ideal sociedade anarquista reside em não mostrar seu rosto, sua identidade, mas passar às massas como uma idéia porque são estas que sobrevivem e não os homens. É esse argumento do homem cuja máscara reproduz a face de Guy Fawkes que proporcionará o final apoteótico do filme: a chegada dos mascarados ao Parlamento inglês. Por outro lado, fiquei me perguntando se a revolução agora tem que partir de cima já que as pessoas entraram num nível de consciência homogêneo e, sobretudo, bastante dirigido pelos governos e pelas mídias. Além disso, todo o trabalho feito por V para alcançar a população talvez não fosse possível sem uma grande movimentação financeira. Pergunta que vem à tona: "o poder emana mesmo do povo?".

Enfim, com toda a narrativa folhetinesca, citando, inclusive uma versão cinematográfica de "O Conde de Monte Cristo", um dos maiores folhetins de Alexandre Dumas, V de Vingança entra no gênero cinema-pipoca-que-faz-pensar.


V de Vingança (V for Vendetta), EUA / Alemanha, 2006, 132minDireção: James McTeigueRoteiro: Andy Wachowski, Larry WachowskiFotografia: Adrian BiddleEdição: Martin WalshDireção de arte: Marco Bittner RosserElenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea, Stephen Fry, John Hurt, Tim Pigott-Smith, Rupert Graves, Roger Allam, Ben Milles, Sinéad Cusack

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