segunda-feira, fevereiro 26, 2007

CACHÉ, de Michael Haneke


O cinema pressupõe o domínio da imagem. Caché é, portanto, um paradoxo. Pois Anne e Georges Laurent, ambos profissionais do mundo literário, têm dificuldade em decifrar o significado das fitas de vídeo enviadas por um anônimo e cujo conteúdo é um permanente flagrante de quem entra e quem sai no lar do casal. Caché trata de um problema particular ocorrido na infância de Georges, quando este rejeitou Majid, o filho dos empregados imigrantes, e impediu que seus pais adotassem o menino.

Por outro lado, o filme de Haneke insinua-se como uma autocrítica francesa à pátria livresca que abdicou da leitura de imagens e agora teme o poder desta (nos pacotes recebidos por Anne e Georges não há nada além de fitas cassetes e desenhos que querem insinuar algo. Não há uma única palavra escrita nas correspondências). A outra questão que se coloca também como uma autocrítica é a dos imigrantes, oriundos das antigas colônias francesas, e que foram varridos para baixo do tapete da sociedade (fato que comprova esta tese é a onda de protestos na periferia parisiense comandada por imigrantes em 2006). São estes os motivos da insegurança de Laurent.

Caché é desafiador e gera mal estar: nas cenas de abertura e encerramento, planos fixos de quase três minutos cada um que não conseguem dar sentido ao mundo. Algo foge do controle. É assim em A Professora de Piano, outro filme de Haneke, quando Erika (Isabelle Huppert) foge do último plano do diretor e a câmera sabiamente permanece parada, sem querer buscar o fim da personagem. O plano fixo também se instaura no final de Caché para mostrar que não é capaz de apreender o todo, que a câmera não é o onipotente olho que tudo vê. Por outra perspectiva, o filme talvez queira nos dizer que há algo aqui fora. Fora da tela. Entre nós. Assim pode-se dizer que Caché é metalingüístico e, ao mesmo tempo, reflete sobre o extra-filme.

p.s.1: A rua de onde o observador que faz as imagens e nós, espectadores, observamos chama-se Rua de Íris.

p.s.2: Esse texto surgiu a partir de um pedido da Liga dos Blogues Cinematográficos já que o filme estava entre os cinco indicados ao Alfred de melhor filme de 2006.

p.s.3: Sempre alguma coisa para perturbar minha fruição cinematográfica: quando assisti a Caché no cinema, uma mulher não parava de resmungar com o marido ao lado: "Ai, que filme parado, não acontece nada!". E saía da sala. E voltava. E saía. E voltava. Tem gente que não percebe o que acontece debaixo do próprio nariz.

p.s.4: Já no DVD... bem, o disco não dá a opção de pular os trailers que vêm antes do filme. Isso significa que a distribuidora Califórnia Filmes me obrigou a assistir três ou quatro trailers de blockbusters (um pouco mais de dez minutos de perda de tempo).


Caché (Caché), França, Áustria, Alemanha, Itália, 2005, 117min Direção e roteiro: Michael Haneke Fotografia: Christian Berger Edição: Michael Hudecek e Nadine Muse Elenco: Daniel Auteuil, Juliette Binoche, Maurice Bénichou, Annie Girardot, Lester Makedonsky

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