Faz uma semana que assisti a Pai e Filho. Mesmo assim, com o filme ainda recente na cabeça, fui revê-lo na mostra Inéditos do Rio, no CCBB. Fui porque é sempre bom rever um bom filme, fui por conta de uma crítica detalhada de Régis Trigo, no site Cineplayers e fui também em decorrência de uma palestra do Luiz Fernando Carvalho, diretor de Lavoura Arcaica, filme de uma estética próxima a de Sokurov. Indagado por mim sobre um possível diálogo com os filmes de Sokurov, Luiz Fernando preferiu citar Tarkovski, de quem Sokurov também é um pouco tributário.
Pai e Filho é um filme polêmico aos olhos ocidentais, talvez. Antecedida por um gemido enquanto a tela ainda está escura, a primeira imagem é a de dois corpos masculinos em atrito. Em seguida, um plano aberto revela que o pai abraça o filho logo após este ter tido um pesadelo. Já da sua apresentação em Cannes o filme vem trazendo interpretações de uma relação homoerótica entre pai e filho. Uma declaração de Sokurov, no livro Aleksandr Sokurov, da Cosacnaify, organizado por Álvaro Machado, parece tratar de uma incompatibilidade de visão entre ocidente e oriente: "Comecei a experimentar certo arrependimento [após ter estimulado a exibição de seus filmes na Europa e na América] porque às vezes, no Ocidente, observo reações muito estranhas. Por exemplo, alguém gargalhando na platéia. É claro que eu compreendo que os ocidentais são muito diferentes e, ao mesmo tempo, muito solitários. Muito mais solitários que a gente da Rússia. Eu diria mesmo mais enfermos espiritualmente, com sistemas morais obviamente muito diversos daqueles da Rússia". É curiosa essa declaração. Foi exatamente o que aconteceu na minha sessão. Dois senhores se levantaram, deram uma gargalhada e saíram do cinema. Nos primeiros 30 minutos, cerca de dez pessoas deixaram a sala.
Visto com mais apuro, percebe-se que o isolamento em que o diretor coloca os dois personagens é um fator importante para a narrativa. Não são muitos os momentos em que os dois personagens interagem com terceiros. Aleksei é o filho que estuda medicina nas forças armadas. Seu pai também pertenceu às forças armadas e agora, viúvo, passa o dia sozinho. Sua condição é sempre esperar pela chegada de Aleksei. A relação provoca ciúmes na namorada de Aleksei, que logo o abandona. Este e outros poucos acontecimentos interferem na trama. Entretanto, as imagens hipnóticas, as pausas silenciosas e os diálogos entre Aleksei e seu pai dilatam a narrativa de Pai e Filho. Um clima melancólico e, ao mesmo tempo, onírico percorre todo o filme. A belíssima luz no interior da casa - um amarelo que assume um tom esverdeado em alguns momentos - reflete nos corpos um eterno crepúsculo que os coloca em outro plano (no passado ou num sonho). As imagens distorcidas, que no início caracterizavam o sonho de Aleksei, agora aparecem como um filtro anti-realidade, distorcendo uma ladeira da cidade por onde passam Aleksei e um amigo, depois de descerem do bonde. A trilha sonora diegética vem de um rádio antigo, som mono sempre em volume baixo, tocando Tchaikovsky ou as canções compostas para o filme por Andrey Sigle, baseadas na obra do compositor. Pai e Filho é um filme para poucos, pois privilegia a composição da imagem em detrimento de uma trama.
A cena: o diálogo entre Aleksei e a namorada através de uma janela, no início do filme. O corte, a alternância entre os dois personagens e a alternância entre o olhar através do vidro e o olhar sem mediação causam vertigem.
A frase-chave: Aleksei pronuncia sem entender o significado: "O amor de um pai crucifica. Um filho amoroso deixa-se ser crucificado".
Toda a inexplicável nostalgia que emana do filme vem em parte pela locação: Lisboa.
Pai e Filho (Otets y Syn), Rússia/ Alemanha/ Itália/ Holanda, 2003, 83min Direção: Aleksandr Sokurov Roteiro: Sergei Potepalov Fotografia: Aleksandr Burov Montagem: Sergei Ivanov Música: Andrey Sigle Elenco: Andrei Shchetinin, Aleksei Nejmyshey, Aleksandr Razbash, Fyodor Lavrov, Marina Zasukhina
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