Nas últimas semanas meu tempo livre se reduziu absurdamente. Por isso, a freqüência de textos com intervalos ainda maiores. Tenho ido pouco ao cinema também. A idéia para escrever acaba vindo às vezes dos textos que ando lendo para as aulas. Foi assim que comecei a pensar nessa trilogia alemã do Visconti. O texto a que me refiro chama-se "Prazer visual e cinema narrativo"*, da teórica e cineasta Laura Mulvey, publicado na revista Screen, em 1975.
O texto de Laura Mulvey trabalha com a idéia da mulher como objeto do olhar masculino dentro do cinema clássico narrativo. Pela minha experiência como espectador, considero que toda a argumentação de Mulvey, mais do que uma teoria, é uma constatação. Quase todos os filmes a que assisti, produzidos na Hollywood dos anos 30 e 40, colocam a mulher numa posição de objeto. Mulvey diz que o voyeurismo é tão forte que quando esta mulher-objeto está na tela, seja pelo olhar de um narrador ou pela perspectiva de um personagem, a narrativa fica suspensa. O close numa face feminina ganha um caráter de close desnarrativo.
A questão é que nestes últimos dias aluguei Ludwig, filme de Luchino Visconti que narra a história do rei da Bavária, um suposto louco que construiu castelos suntuosos pela Europa e, por amor à arte, bancou todos os luxos do compositor Richard Wagner. Ludwig está na trilogia alemã, junto com Morte em Veneza, baseado no romance de Thomas Mann, e Os Deuses Malditos. O primeiro assisti num VHS emprestado por uma amiga há uns três anos e depois comprei o DVD e o segundo, no Odeon, durante a mais recente edição do Festival do Rio.
Até agora não falei da trama de cada filme. E nem pretendo. Ainda que louve a filmografia do Visconti, o que me interessou foi perceber que o diretor subverte os argumentos de Laura Mulvey. Visconti coloca no centro de seus filmes a figura masculina, o homem-objeto. Diferente da mulher-objeto, no entanto, o homem-objeto de Visconti é objeto passivo somente sob a perspectiva do olhar do espectador, do voyeur. Na trama, o diretor explora a virilidade. Dos quase 20 filmes dirigidos por Visconti, assisti a 10. Em sete destes percebo o homem no centro da tela. Visconti é, portanto, um dos primeiros diretores a extrapolar sua sexualidade para as telas. Se em Morte em Veneza temos o amor velado e não consumado do músico Aschenbach pelo menino Tadzio, em Os Deuses Malditos e Ludwig as cenas de nu masculino e orgias em que somente homens freqüentam não passam desapercebidas. A ambigüidade de Morte em Veneza, interpretado muitas vezes a partir da idéia de amor à juventude, não se efetiva nos dois outros filmes da trilogia. O cinema de Visconti está marcado pelo homoerotismo, nas entrelinhas ou explícito. Cabe saber se a decadência que percorre quase todo o cinema viscontiano tem alguma relação com seus personagens homossexuais. Ou se, ao contrário, a decadência é sintoma de uma sociedade moralista que não aceita o amor que não ousa dizer seu nome. Sem falar do incesto em Os Deuses Malditos.
Por fim, a partir de um senso comum de que a libido masculina, muito mais que a feminina, se dá principalmente por estímulo visual, só posso concluir que todo o fetiche e o erotismo focados no personagem masculino viscontiano tem um alvo certo quando se trata do prazer visual: o homem.
p.s.1:Os meninos do cinema viscontiano: Helmut Berger, com quem o diretor teve um longo relacionamento, Alain Delon, Massimo Girotti, entre outros.
p.s.2: Nobre italiano, Visconti levou para as telas sua convivência com a classe de sangue azul e mostrou sua decadência na Europa. Pensador esquerdista, o mesmo Visconti captou magistralmente os menos abastados em filmes como Rocco e Seus Irmãos e Belíssima.
p.s.3: Dois temas explorados por Visconti no contexto e nos personagens: a decadência e a melancolia.
* Laura Mulvey. In: A experiência do cinema. Ismail Xavier (org.). Rio de Janeiro: Graal, 1983.
Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei), Itália/Alemanha, 1969, 157min
O texto de Laura Mulvey trabalha com a idéia da mulher como objeto do olhar masculino dentro do cinema clássico narrativo. Pela minha experiência como espectador, considero que toda a argumentação de Mulvey, mais do que uma teoria, é uma constatação. Quase todos os filmes a que assisti, produzidos na Hollywood dos anos 30 e 40, colocam a mulher numa posição de objeto. Mulvey diz que o voyeurismo é tão forte que quando esta mulher-objeto está na tela, seja pelo olhar de um narrador ou pela perspectiva de um personagem, a narrativa fica suspensa. O close numa face feminina ganha um caráter de close desnarrativo.
A questão é que nestes últimos dias aluguei Ludwig, filme de Luchino Visconti que narra a história do rei da Bavária, um suposto louco que construiu castelos suntuosos pela Europa e, por amor à arte, bancou todos os luxos do compositor Richard Wagner. Ludwig está na trilogia alemã, junto com Morte em Veneza, baseado no romance de Thomas Mann, e Os Deuses Malditos. O primeiro assisti num VHS emprestado por uma amiga há uns três anos e depois comprei o DVD e o segundo, no Odeon, durante a mais recente edição do Festival do Rio.
Até agora não falei da trama de cada filme. E nem pretendo. Ainda que louve a filmografia do Visconti, o que me interessou foi perceber que o diretor subverte os argumentos de Laura Mulvey. Visconti coloca no centro de seus filmes a figura masculina, o homem-objeto. Diferente da mulher-objeto, no entanto, o homem-objeto de Visconti é objeto passivo somente sob a perspectiva do olhar do espectador, do voyeur. Na trama, o diretor explora a virilidade. Dos quase 20 filmes dirigidos por Visconti, assisti a 10. Em sete destes percebo o homem no centro da tela. Visconti é, portanto, um dos primeiros diretores a extrapolar sua sexualidade para as telas. Se em Morte em Veneza temos o amor velado e não consumado do músico Aschenbach pelo menino Tadzio, em Os Deuses Malditos e Ludwig as cenas de nu masculino e orgias em que somente homens freqüentam não passam desapercebidas. A ambigüidade de Morte em Veneza, interpretado muitas vezes a partir da idéia de amor à juventude, não se efetiva nos dois outros filmes da trilogia. O cinema de Visconti está marcado pelo homoerotismo, nas entrelinhas ou explícito. Cabe saber se a decadência que percorre quase todo o cinema viscontiano tem alguma relação com seus personagens homossexuais. Ou se, ao contrário, a decadência é sintoma de uma sociedade moralista que não aceita o amor que não ousa dizer seu nome. Sem falar do incesto em Os Deuses Malditos.
Por fim, a partir de um senso comum de que a libido masculina, muito mais que a feminina, se dá principalmente por estímulo visual, só posso concluir que todo o fetiche e o erotismo focados no personagem masculino viscontiano tem um alvo certo quando se trata do prazer visual: o homem.
p.s.1:Os meninos do cinema viscontiano: Helmut Berger, com quem o diretor teve um longo relacionamento, Alain Delon, Massimo Girotti, entre outros.
p.s.2: Nobre italiano, Visconti levou para as telas sua convivência com a classe de sangue azul e mostrou sua decadência na Europa. Pensador esquerdista, o mesmo Visconti captou magistralmente os menos abastados em filmes como Rocco e Seus Irmãos e Belíssima.
p.s.3: Dois temas explorados por Visconti no contexto e nos personagens: a decadência e a melancolia.
* Laura Mulvey. In: A experiência do cinema. Ismail Xavier (org.). Rio de Janeiro: Graal, 1983.
Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei), Itália/Alemanha, 1969, 157min
Diretor: Luchino Visconti
Roteiro: Nicola Badalucco, Luchino Visconti e Enrico Medioli
Fotografia: Pasqualino De Santis e Armando Nannuzzi
Edição: Ruggero Mastroianni
Música: Maurice Jarre
Elenco: Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger
Morte em Veneza (Morte a Venezia) Itália/França, 1971, 130min
Morte em Veneza (Morte a Venezia) Itália/França, 1971, 130min
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti e Nicola Badalucco, baseado no romance homônimo de Thomas Mann
Fotografia: Pasqualino De Santis
Edição: Ruggero Mastroianni
Música: 3ª e 5ª sinfonia de Gustav Mahler
Direção de arte: Ferdinando Scarfiotti
Elenco: Dirk Bogarde, Björn Andrésen, Silvana Mangano, Marisa Berenson
Ludwig (Ludwig) Itália/França/Alemanha, 1972, 247min
Ludwig (Ludwig) Itália/França/Alemanha, 1972, 247min
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti, Suso Cecchi D´Amico, Enrico Medioli
Fotografia: Armando Nannuzzi
Edição: Ruggero Mastroianni
Música: Jacques Offenbach, da ópera "La Périchole"
Elenco: Helmut Berger, Trevor Howard, Silvana Mangano, Romy Schneider
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