sábado, fevereiro 23, 2008

And the Oscar goes to...

Juno
Juno foi anunciado como o Miss Sunshine 2008. Passa longe. Miss Sunshine, além de muito mais divertido, era menos pretensioso justamente porque falava de um simples concurso de beleza infantil e daí, a partir dos outros personagens, puxava paralelamente outras questões, como a dificuldade de encarar a derrota num país capitalista. Juno quis fazer tudo com a mesma simplicidade, mas com uma simplicidade pretensiosa, cool. Seus ares de filme moderninho e pouco afeito à discussão o tornaram superficial. Tratou a gravidez da personagem com distância e não conseguiu fugir dos clichês, nos diálogos e nas situações. Ellen Page não se livrou do seu gorro vermelho usado no fiasco Menina Má.com, apesar de sua atuação crescer bastante ao longo do filme. Juno não é desprezível, mas também não merece o Oscar de melhor filme.

Conduta de Risco
Michael Clayton
, título original, tem tudo para ganhar o Oscar de melhor filme. Roteirista da trilogia Bourne, o diretor estreante Tony Gilroy já havia mostrado que sabe conciliar filme de ação com diálogos inteligentes. Conduta de Risco tem, portanto, um ponto forte para a indicação de melhor filme: um excelente roteiro. Não bastando isso, Gilroy tem uma direção surpreendente para um estreante. George Clooney e Tom Wilkinson estão perfeitos em suas atuações. Clooney é o produtor-executivo e mostrou mais uma vez maturidade na escolha de bons filmes. Apoiado numa fotografia de sombras e luzes frias, Conduta de Risco tem a trilha sonora composta por James Newton Howard, o mesmo de Colateral (2004), e, de fato, tem muitos momentos que remetem ao filme de Michael Mann. Talvez o que afaste Conduta de Risco do prêmio seja o distanciamento da narrativa e o tema, bastante comum, ainda que o grande desafio e o mérito do filme seja narrar o mais do mesmo com tamanha sofisticação.

Desejo e Reparação
Diferente de Orgulho e Preconceito, em que havia uma distância muito grande entre os sentimentos dos personagens e o sentimento espectatorial (no meu caso), e a trama, apesar de bela, soava fria e incoerente com o tema, em Desejo e Reparação, baseado no romance Reparação, de Ian McEwan, Joe Wright investe mais na personalidade de seus personagens. O roteiro adaptado por Christopher Hampton é um dos pontos mais elogiados (quando assisti ao filme, saí dali direto para a livraria a fim de encontrar o romance) e a grande virada no final da trama é surpreendente. O destaque é, também, para o uso da trilha sonora, sempre se confundindo com os sons diegéticos na primeira parte do filme. Atonement, no original, é um dos filmes que mais me cativou. E, tentando adivinhar o resultado da premiação, acho que é esse o filme a levar o Oscar.

Onde os Fracos Não Têm Vez
Se levarem em conta a eficiência dos diálogos e o uso do silêncio, o filme dos irmãos Coen será o dono da estatueta dourada. De fato, a economia dos diálogos e o momento em que eles surgem, quase sempre cortantes, estão em pleno acordo com a composição da paisagem de No Country For Old Men, título original. Fica muito claro o status de personagem central que o deserto assume e o modo como ele é importante para definir os rumos de seus habitantes, tanto no amargo fim do velho xerife local Ed Tom Bell (interpretado por Tommy Lee Jones) como na maldade monossilábica do assassino serial Anton Chigurh (Javier Bardem, provável vencedor do Oscar de ator coadjuvante). Entre muitas outras qualidades, merece destaque o roteiro, as atuações do elenco, a fotografia, os silêncios (não há trilha musical) e a edição que, junto com roteiro e atuação, trabalham com os sustos e a imprevisibilidade da narrativa. Apesar da minha aposta em Desejo e Reparação, o que se diz é que os irmãos Coen levam o Oscar de melhor filme em decorrência dos prêmios que o filme vem acumulando.

Sangue Negro
Negro como o petróleo e duro como as pedras que ele escava é Daniel Plainview, o personagem de Daniel Day-Lewis. Produto do meio, assim como os personagens do deserto, no filme dos irmãos Coen, Plainview tem sua trajetória revista (o roteiro é uma adaptação do livro Oil!, de Upton Sinclair) por Paul Thomas Anderson, no melhor filme entre os indicados. Meu Oscar, sem titubear, iria para Sangue Negro. Pelo roteiro, pela direção impecável de P.T. Anderson, pelas atuações de Day-Lewis (é impressionante observar o ator em close entre caretas, falas raivosas e irônicas e pausas dramáticas) e de Paul Dano, o pastor Eli Sunday, que merecia uma indicação como ator coadjuvante, pela fotografia, em que a luz solar refletida na paisagem contrasta com a sombra dos homens do petróleo em trabalho, pela trilha sonora constantemente perturbadora de Jonny Greenwood (guitarrista e multi-instrumentalista do Radiohead) e pela narrativa que Anderson imprime ao filme. É o melhor entre os cinco e vai entrar para a lista de clássicos do cinema.

Atores (os que merecem):
Ator: Daniel Day-Lewis, por Sangue Negro
Atriz: Marion Cotillard, por Piaf - Um Hino ao Amor
Ator Coadjuvante: Javier Bardem, por Onde os Fracos Não Têm Vez
Atriz Coadjuvante: Cate Blanchett, por I'm Not There.

4 comentários:

P. disse...

Gostei das pequenas pílulas sobre os filmes indicados ao Oscar. Achei que você foi um pouco duro demais com JUNO, apesar de concordar com algumas coisas e de ser muito inferior aos outros indicados. E discordo que MICHAEL CLAYTON tenha tudo para ganhar o Oscar. Mas seus argumentos, como sempre, estão muito bem construídos, o que nos faz respeitar a sua opinião como legítimo entendedor do assunto.

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Edu,
penso exatamente como você em relação a "Juno". A suposta maturidade emocional da adolescente grávida não me convenceu em momento algum, soou sempre artificial e forçada demais.E achei demais as indicações para filme e direção.

Apesar de ter gostado muito do filme dos Coen, sabia que eu também não me importaria se "Desejo e reparação" tivesse ganhado? Gostei muito do filme. Acho que a indicação de Jason Reitman deveria ter ido para o diretor Joe Wright. E, sinceramente, acho que o filme merecia outros prêmios além da trilha sonora.

Também concordo que, daqui a alguns anos, "Sangue negro" será o filme de maior expressão dentre todos os indicados dessa edição.

Torci muito pela Blanchett como coadjuvante e até mesmo pela jovem Soairse Ronan, mas Tilda Twinton não. A britânica está correta em "Conduta de risco". Só.

Abração

Eduardo Miranda disse...

Oi, Demas, obrigado pela visita. Concordamos em absolutamente tudo, então. Também gostaria se Desejo e Reparação tivesse levado, apesar de torcer mais por Sangue Negro.

Uma pena também Cate Blanchett, ótima em I'm Not There não ter levado o prêmio.

Um abração!

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Eduardo,tudo bem? Por onde anda você? Não posso falar de sumiço porque meus blogs andam às moscas. Mas aproveitei a retomada mensal (rs) do Cine Demais para responder a um meme sobre filmes subestimados. E você é um dos meus convidados. Quem sabe assim você não atualiza o Mira! e nos brinda com um bom texto e 5 boas indicações cinematográficas? Dá uma passadinha lá.
Abração.