sábado, outubro 01, 2005

EROS, de ANTONIONI, SODERBERGH e WONG KAR-WAI


Nostalgia. Quando pensei em Wong Kar-Wai foi essa a palavra que me veio à mente. Lembrei de outros filmes dele. Personagens sofríveis e apaixonantes. O filme de agora, dentro do primeiro dia do Festival do Rio 2005, é Eros, um longa com três histórias dirigidas por homens de filmografias distintas: a primeira é The Dangerous Thread of Things, do cultuado italiano Michelangelo Antonioni: Na Toscana, um casal que se apronta para sair deixa, logo de início, para o espectador, a percepção de uma crise conjugal. O homem se envolve com uma moradora local. O filme, bastante econômico tanto na duração quanto nas ações e palavras, não sente a necessidade de explicar e isso é bom. No final, a amante do marido dança nua e solitária à beira do mar até que Cloe, também nua, se aproxima da mulher, que agora está deitada na areia, e projeta a sombra de seu corpo num outro corpo nu. O encontro dos corpos. Não há música. Poucos sons. Mais tempo para reflexão. Corte. O diretor Steven Soderbergh filma Equilibrium. Robert Downey Jr. é um publicitário que procura um analista para decifrar seu sonho constante com uma mulher que ele não consegue identificar. Toda a cena do consultório é desconstruída por um analista que não tem o mínimo interesse no paciente e pelo paciente que descobre por si mesmo o motivo de tanto atordoamento. Inteligente construção de cores: P&B para o consultório e um azul estonteante para o quarto, os móveis e a luz construída no sonho. Também no sonho, uma câmera pendular e um belíssimo 'jazz cubano' dão o tom perfeito para a cena. Corte. No episódio The Hand, de Wong Kar-Wai, um alfaiate se apaixona pela cliente, uma prostituta de luxo. Um homem que nunca tocou uma mulher não pode ser um alfaiate, diz ela. Ele obedece. Ela o inicia com as mãos. Com as mãos, ele trabalha anos para ela. É somente pelas mãos que ele conhece as medidas exatas do corpo da mulher. Aqui, há muito mais o desejo que o prazer. Há privações e limites corporais conhecidos numa prostituta, como a regra do não beijar. Mas também a impossibilidade de um amor sentido por ele que não pode ser consumado não se sabe por que razão. A prostituta simplesmente não enxerga além das mãos que cuidam para que esteja sempre bela para outros. A melancolia dos personagens, os ambientes lúgubres e a música suave são um convite às lágrimas. Inevitável. Comum aos três filmes, a paixão dos corpos. Parafraseando Manuel Bandeira, os corpos se entendem, as almas, não. Na abertura de cada uma das três histórias, desenhos de corpos se movem suavemente em texturas vermelhas, amarelas, azuis, pretas... Nessas aberturas, uma música que, ainda agora, me toma a concentração: "Michelangelo Antonioni", cantada, numa voz ecoada e envolvente como um canto de sereia, por Caetano Veloso ("visione del silenzio / angolo vuoto / pagina senza parole / una lettera scritta sopra un viso / di pietra e vapore / amore / inutile finestra" do disco Noites do Norte). Nos créditos, as pessoas aplaudem o nome de Caetano. Meu aplauso vai para tudo que vi, ouvi e senti desde quando as luzes se apagaram. Saio do Paissandu conversando com meu amigo sobre a geração de cinéfilos que o mítico cinema formou, principalmente, na década de 60. Na saída, encontro de velhos e jovens, chão molhado da chuva que já passou, trânsito, metrópole. Num bar ao lado, uma mulher, acompanhada de um homem, toca, melancolicamente, um xilofone. De novo, nostalgia. Seguimos.

Eros, Hong Kong/EUA/Itália/China/França/ Luxemburgo/Inglaterra, 2005, 100 min
Direção: Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh, Wong Kar-Wai
Roteiro: Michelangelo Antonioni, Tonino Guerra, Steven Soderbergh
Elenco: Gong Li, Chang Chen, Alan Arkin, Luk Auntie, Christopher Buchholz, Robert Downey Jr., Ele Keats

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