quinta-feira, outubro 20, 2005

A PROFESSORA DE PIANO, de MICHAEL HANEKE



Pela primeira vez visitei a Cinemateca do MAM. Eu corria para chegar às 16h, horário da sessão de Filme de Amor, do Júlio Bressane. Não consegui chegar a tempo do filme. Mais uma tarde ensolarada de domingo eu saíra para ver um filme e me atrasava. Chegando por volta das 16h30, fui procurar a cinemateca. Seguindo as placas informativas, me encontrava agora num corredor escuro, ouvindo sons que, com certeza, vinham de uma sala de projeção. Lá, vi pessoas sentadas, iluminadas pela luz da tela. Olhei para o foco de atenção destas pessoas. Via, em preto e branco, uma mulher, vestindo somente uma calcinha, que se abaixava mostrando a... o... digamos, derrière ao personagem da cena, que estava em contra-plano, e ao público. E a mim, por que não? Justamente no momento em que olhei para a tela! Saí, em seguida, com a sensação da cinefilia. Senti-me duas vezes voyeur por admirar aquela linda cena e por espiar espectadores que espiavam. A propósito, algumas teorias do cinema nos colocam, espectadores, como o sujeito que espia a tela. Por isso, o escurinho do cinema para que os atores não nos vejam (herança de algumas teorias teatrais). Apesar de não ter assistido este Filme de Amor, lá permaneci a fim de entrar na sessão das 18h. Eu não sabia que, ao entrar na sessão de A Professora de Piano, me depararia com uma personagem também voyeur. Erika, a professora de piano do título, refugia-se em cabines de filme pornô para revirar a cesta de lixo à procura do líquido expelido do prazer masturbatório dos homens que por ali passam. Também ela duplamente voyeur por catar papéis sujos de esperma e imaginar naquela cabine os homens assistindo à mesma cena que agora ela assiste. A Professora de Piano é erótico (incluído na mostra Eros, da cinemateca) e, portanto, bem mais complexo do que os filmes de sexo puramente carnal. Erika, uma mulher que talvez caminhe para os quarenta anos de vida, ainda mora com a mãe. Uma mãe muito rigorosa com os horários da filha. E uma filha que exerce uma profissão igualmente rigorosa e que exige dos alunos a precisão racionalista que envolve o executor de um Schubert, para ficar no músico-virtuose preferido da professora. A distante relação aluno-professora, no entanto, tenta ser rompida por um estudante mais ousado. Erika, que se mostrava ainda mais resistente com as investidas, acaba por ceder. Daí, o filme se desvela: toda uma imagem de contenção vai por água abaixo quando a mulher se revela sedenta pela transgressão sexual, assustando o aluno que tentava quebrar a casca de noz. O grande achado do filme é contrapor um jovem bonito, mas inexperiente talvez, na arte do amor por desejar uma relação simplificada papai-mamãe e uma mulher que teoriza suas vontades de transgressão moral e sexual a dois através de uma carta dada ao rapaz. O que parece evidente é a longa espera de Erika por alguém que atropelasse todos os bons modos que ela mostra aos outros. O que me surpreendeu é a frieza com que o diretor encaminha a história, a fotografia correta e criativa, a atuação de Isabelle Huppert, que parece estar sempre procurando algo além da tela e, portanto, do nosso campo de visão e a sobriedade musical. No final, não sabemos se Erika consegue dar cabo da própria vida porque ela escapa, ferida, do quadro planejado pelo diretor. Este, fugindo do modelo cinema-convencional, deixa a personagem seguir e fixa a câmera na fachada da escola de música. Decisão bem tomada. Pelo sim, pelo não, os créditos finais de um filme percorrido por Beethovens, Schuberts e Schumanns são silenciosos.

A Professora de Piano (Le Pianiste) , França / Áustria, 2001, 135 min
Direção: Michael Haneke
Roteiro baseado na novela de Elfriede Jelinek
Elenco: Isabelle Huppert, Benoit Magimel, Annie Girardot

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