terça-feira, maio 22, 2007

BAIXIO DAS BESTAS, de Cláudio Assis

Dada a rejeição dos amigos ao novo filme do Cláudio Assis, tive que ir sozinho ao cinema. Quando sentei na poltrona, comecei a pensar em tudo de ruim que poderia ser projetado na tela dentro de alguns minutos e pensei que eu não deveria ter ido ver Baixio das Bestas porque não estava num bom dia. Daí veio o filme. Estética maravilhosa: da fotografia, passando pela decupagem bem feita até os enquadramentos virtuosísticos. Ta bom. Pensei: hmmm, deve ser um contraponto com o que vem por aí. E o filme seguiu na bela fotografia e nos belos enquadramentos. Depois percebi a história paralela que o roteiro elaborou: de um lado a virgindade de Auxiliadora (Mariah Teixeira, uma atriz de vinte e poucos anos que interpreta uma menina de 13) e seu avô Heitor (Fernando Teixeira), vendendo aos caminhoneiros a imagem virginal da neta, explorando o corpo imaculado da menina pela visão das hienas (é essa a idéia que vem quando vemos a forma como a imagem foi concebida, a presa no meio, as hienas ameaçando o ataque e a câmera por trás de tudo). No outro paralelo da narrativa, Cícero (Caio Blat) e Everardo (Matheus Nachtergaele) se esbanjam em cenas de crueldade e de sexo, as duas coisas quase sempre interligadas porque Cláudio Assis é sádico. E, num outro núcleo, as prostitutas (muito bem interpretadas) Bela (Dira Paes), Ceiça (Marcélia Cartaxo) e Dora (Hermila Guedes, que nos créditos finais aparece como Hermylla).

As prostitutas encontram os homens, os homens encontram as prostitutas e assim vai. A menina Auxiliadora, no entanto, passa todo o filme numa história paralela. Ora, cercada pelas hienas, ora pelo avô explorador, ora sozinha, voltando com a roupa que lava à beira do rio. Cícero, que é filho da prefeita da cidade, ouviu falar da menina e a viu algumas vezes. Cícero é um menino mimado e perverso, estuda na cidade grande, acha que pode tudo e quer a virgindade de Auxiliadora. Toda essa possibilidade de encontro fica em suspenso até o fim do filme. Até lá, vemos as situações de perversão e maldade humana que Cláudio Assis vê como inerente a quase todos os terrestres. E, tal qual um Lars Von Trier, ele gosta de mostrar o sadismo (claro que num conteúdo muito mais explícito do que o do dinamarquês), como na cena em que a prostituta Bela é estuprada com um pedaço de pau. O fato de isso ser mostrado através de sombras torna a coisa um pouco tosca. Já a cena em que Dora é estuprada e espancada na cama tem um quê de Gaspar Noé, em Irreversível.

Pois bem, à parte as centenas de vezes em que Cláudio Assis foi chamado de misógino (o próprio confessou numa entrevista que no roteiro de Hilton Lacerda havia uma cena mais explícita de homossexualismo entre homens e ele se encarregou de cortá-la, ao passo que no filme as mulheres são constantemente humilhadas), enfim, tudo isso descontado, a questão é que o filme do Cláudio Assis passou para mim como algo insosso. E isso é grave. Ou para ele ou para mim. Fazer um filme com um elenco daqueles (os atores estão muito bem), com uma estética daquela e terminar fraco desse jeito... Ah, e eis que Cícero encontra Auxiliadora. Não da melhor forma, claro.
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p.s.: Eu sabia que esse negócio de comprar poltrona numerada ia dar problema. Com as luzes já apagadas, a sujeita adentra a sala com mais duas pessoas e aborda, com arrogância, uma senhorinha, que está sentada: "Com licença, eu comprei essas três poltronas!" O poder corrompe...


Baixio das Bestas, Brasil, 2007, 90min
Direção: Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Fotografia: Walter Carvalho
Montagem: Karen Harley
Elenco: Mariah Teixeira, Fernando Teixeira, Caio Blat, Matheus Nachtergaele, Dira Paes, Marcélia Cartaxo, Hermila Guedes

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