quarta-feira, agosto 20, 2008

ERA UMA VEZ


Embora minhas idas ao cinema não tenham rareado tanto como imaginei que seria nesse período de estudos, confesso que, de fato, o blog está abandonado. Aliás, às vezes tenho tempo para escrever comentários em outros blogs e não o tenho para escrever aqui. Então, aproveito o breve comentário que fiz sobre o filme Era Uma Vez, de Breno Silveira, no blog Máquina de escrever, do Luciano Trigo, publicando-o aqui:


Em Era Uma Vez há algo de ingênuo no modo de lidar com os desfavorecidos. A proposta seria coerente se o filme tivesse ficado mesmo naquele eixo shakespereano, num tom acima do real, como numa espécie de fábula, por exemplo, como toda a mídia anunciou (e também entregou toda a trama ao falar de Romeu e Julieta). De todo modo, o que transparece mais é uma vinculação àquele cinema utópico dos anos 60. Foi bonito, muito bonito, aquele cinema, mas para hoje fica difícil. As esquerdas perceberam que o “povo” não é uma massa esperando por um guia utópico, tal como faz Antônio das Mortes, em Deus e o Diabo na Terra do Sol e mais uma dezena de filmes (muitos, excelentes filmes) do Cinema Novo. A situação ficou bem mais complexa e parte do cinema contemporâneo se deu conta disso. Agora, uma coisa me intriga: será que dá para mudar o vocabulário (da visada utópica daquela época para a supostamente não-utópica capitalista do momento atual) sem questionar? Vamos aceitar tranquilamente a troca de “oprimido” por “excluído”? Será que nosso parâmetro vai ser sempre o do capitalismo e quem nao está nele, deve ser “incluído”? Ninguém mais é “oprimido” pelo sistema capitalista? É um desafio que perpassa o cinema contemporâneo brasileiro, este cinema terceiro-mundista que, não raras vezes, ainda se vê como ferramenta de transformação social (e eu assino embaixo, sem radicalismo e contemplando a variedade estética e política de filmes). Acho que o problema do filme, portanto, não passa só pelo meramente estético (se realista, se shakespereano etc), mas pelo que os cineastas têm que enfrentar em termos políticos para abordar a realidade contemporânea. Esse conflito, claro, acaba se revelando na estética do filme, como o problema da cena final (inverossímel), citada pelo Luciano Trigo. Quer dizer, o que parece é que o diretor oscilou entre o cinema utópico e o cinema atual e não soube resolver isso no texto fílmico. Talvez, se tivesse optado pelo registro utópico, poderia ter feito um filme mais marcadamente alegórico (até o faz com o clichê da cidade partida, de Zuenir Ventura), mas ficaria anacrônico, passadista. Querendo uma inserção no grupo de filmes que discutem a violência carioca (Cidade de Deus, Tropa de Elite, por exemplo), errou a mão e criou situações impraticáveis para um filme realista. Em suma, ficou difícil estabelecer com o espectador o pacto de ficção já que não acertou os ponteiros do relógio. Fora isso, o filme emociona, sim, e vale a pena ser visto pelo desafio em que se lança de compreender nosso estado atual.

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