segunda-feira, outubro 01, 2007

FESTIVAL DO RIO 2007 (3)

I’M NOT THERE *****
Quase tão impossível quanto limitar Bob Dylan no gênero folk é dizer que esse filme é uma mera biografia. Pode até ser uma biografia (por isso o “quase tão impossível” lá no início), mas o caleidoscópio de Todd Haynes é tão diversificado e rico quanto a carreira de Bob Dylan. Bob Dylan não está lá, não é um. Bob Dylan é muitos. Por isso, em I’m Not There Bob Dylan é Cate Blanchett, Heath Ledger, Richard Gere, Christian Bale, Ben Wishaw e Marcus Carl Franklin. A música de Dylan passa por uma série de gêneros e temáticas (folk, rock, religião, política, ainda que a palavra política suscite uma série de questionamentos por Dylan em I’m Not There) assim como sua personalidade de poeta, maldito, surrealista, caubói, branco e negro. Conforme o filme avança, vamos tendo progressivamente não um contorno preciso, mas ainda mais difuso de personagem controverso que não se deixa apreender. Para o pessoal que gosta de Oscar: eu daria a I’m Not There, pelo menos, uma indicação de melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro, melhor edição, melhor direção de arte, melhor trilha sonora, melhor figurino, melhor fotografia e melhor atriz para Cate Blanchett. Devo ter esquecido de mais alguma coisa que esse filme tem de bom. (Dir: Todd Haynes, Estados Unidos, 2007)




PIAF – UM HINO AO AMOR ***
Tenho a impressão de que os franceses estão aprendendo a fazer biografias de seus mitos com o cinema americano. Piaf – Um Hino ao Amor deixou quase todo o cinema aos prantos (incluso eu). Parece que a velha fórmula de contar a história de uma vida em narrativa cronológica foi para o espaço. Piaf – Um Hino ao Amor começa na velhice precoce de Edith e logo mergulha no seu nascimento. A partir daí a sensação de linearidade é logo abalada pelo quebra-cabeças que é tentar descobrir o que é antes e o que é depois nos momentos em que a idade de Piaf é muito próxima nas duas cenas que se misturam. De todo modo, o narrar em Piaf é bem mais comportado do que no I’m Not There de Todd Haynes. Colabora para isso o fato de Edith Piaf já estar morta e Dylan, vivo. Não significa, entretanto, obra fechada, mas mais compreensível, se quisermos “enquadrar” Piaf numa história de vida. Mas isso é besteira porque a voz do Pequeno Pardal, apelido de início de carreira, e o mito dessa diva da música francesa sobrevivem. Ah, Marion Cotillard é a atriz que provavelmente vai tirar o Oscar das mãos de Cate Blanchett. Aos 33 anos, a atriz interpreta Piaf da juventude até a morte. Não haveria maquiagem que desse jeito não fosse o talento impressionante de Cotillard. Apesar da vida errante no prostíbulo, no circo e nos bares, Edith Piaf não se arrependeu de nada. É por isso que encerra cantando: “Non, rien de rien, non, je ne regrette rien” (não, nada de nada, não me arrependo de nada). (Dir: Olivier Dahan, França, Reino Unido, República Tcheca, 2007)

AS TESTEMUNHAS ***

O novo filme de Andre Techiné, apesar de datar de 2007, tem sua trama passada nos anos 1983-84. E não alertar para isso no início do filme torna o soco no estômago ainda mais forte. Manu, o jovem que ainda não chegou aos 20 anos de idade, chega a Paris para tentar a vida, dividindo um pequeno quarto de hotel com a irmã. Num parque de encontros entre homossexuais, Manu conhece o médico Adrien, 50 anos, que logo se apaixona pelo rapaz, mas não é correspondido. Adrien leva Manu a casa de uma amiga, a escritora Sarah e seu marido Mehdi. Mais tarde, Manu se distancia de Adrien e começa um relacionamento às escondidas com Mehdi, policial que reprime gays e prostitutas nos guetos da periferia parisiense. O soco no estômago se refere às feridas que começam a aparecer no corpo de Manu. A mesma que as prostitutas e os gays, mas não só, começam a apresentar em todo o mundo. Alguns meses depois, surge o nome da doença: Aids. O encanto do filme se esvai com a despedida de Manu da vida. Techiné assume um tom de filme policial e de denúncia que destoa da beleza poética de Manu. Com a morte do jovem, os personagens se tornam errantes na trama e o filme parece perder o objetivo, ainda que o objetivo maior seja o livro que Sarah está escrevendo sobre Manu. (Dir: Andre Techiné, França, 2007)




XXY *****
Ricardo Darín tem sido onipresente no Festival do Rio. Além de marcar presença em três filmes, dirigindo um deles, também é um dos convidados do festival. Em XXY, entretanto, o destaque é para a atriz Inés Efron, que interpreta Alex, a hermafrodita que é o centro da trama. Há de ressaltar o talento da diretora Lucía Puenzo em seu primeiro longa. XXY aborda a questão de um modo bastante delicado e poético, se opondo a um discurso racional e científico. Alex é livre para escolher se quer ou não fazer a cirurgia de retirada do pênis. Ao mesmo tempo é vista como um ser exótico por algumas pessoas que a cercam na pequena comunidade de pescadores. Inés Efron protagoniza uma cena belíssima, difícil de ser executada e muito bem dirigida, a que transa com o filho do cirurgião plástico que está hospedado na casa de seus pais. Contraponto aos pais de Alex, o cirurgião tem dificuldade em aceitar o filho por vê-lo como um fracassado, ainda que o menino seja um pré-adolescente. A fotografia esverdeada se harmoniza com o cenário marítimo e com os olhos verdes e selvagens de Alex. XXY fala da delicada e tênue fronteira entre os gêneros sexuais e sobre o respeito dos pais na decisão dos filhos. (Dir: Lucía Puenzo, Angentina, Espanha, França, 2007)

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