Sim, há uma cena de sexo oral explícita em The Brown bunny. Chloé Sevigny, de fato, suga Vincent Gallo. Mas isso acontece quase no final do filme. E a carga dramática da cena, depois de tudo o que se passou, é tamanha que um possível olhar pornográfico do espectador se esvai. Pelo explícito e por outras coisas, o filme, dirigido, escrito, fotografado, montado, produzido e atuado (ufa!) por Vincent Gallo, foi eleito pelos críticos um dos piores na história do Festival de Cannes. Tudo bem, lá a cópia exibida tinha 30 minutos a mais, mas ainda assim considero o julgamento equivocado. Críticos erram, são humanos. Há muito o que se considerar em Brown Bunny. Chamar Vincent Gallo de narcisista, por exemplo, não procede. Se assim fosse, o que se diria, então, dos diretores que nem são donos do filme e nem por isso deixam de dar seus ataques de vaidade? Com a palavra Gallo: "Você acha que é divertido trabalhar sem assistente? Você acha que é interessante trabalhar sem suporte, um escritório de produção? Sentar numa merda de uma van com três caras dirigindo pelo deserto?". Esclarecido isso, vamos ao filme. Na trama, Bud Clay, um piloto de Fórmula II, depois de perder uma corrida em New Hampshire, segue para a Califórnia, onde será o seu próximo desafio. É nesse lugar algum, entre a saída e a chegada, que vamos acompanhando a solidão de Bud. Seqüências longas, como a da corrida, em que o som grave das motocicletas some, dando lugar às imagens silenciadas e sem foco de câmera, vão nos dirigindo a algum mal-estar que não é revelado. Estradas, estradas, estradas, dia, noite, madrugada, deserto, chuva, montanhas, carro sendo guiado na escuridão, com a ajuda apenas das faixas de sinalização na pista. Bud percorre sempre em silêncio. Pouco importa a beleza da paisagem, pouco importa o foco ou a imagem com luz estourada no deserto. Bud não está lá. A câmera dentro do carro é tão subjetiva quanto nossa atenção, que começa a divagar nos planos longos, cansada de procurar a causa da introspecção. Quando pára nas cidades, Bud tenta travar um relacionamento com as mulheres que encontra, a prostituta, a mulher desiludida, a vendedora da loja de conveniências, mas tudo é em vão. Todas elas não expressam coisa alguma. Com as poucas pessoas que conversa, os diálogos são banais e quase inaudíveis. Quando menos se espera, quando se pensa que o filme ali estagnou, ficamos sabendo que Bud procura Daisy, a mulher com quem morou e a razão de seu sofrimento. Agora, eles se encontram num hotel para conversar. E as causas: Daisy, que era a mulher de Bud, foi pega em flagrante, depois de ter se drogado bastante numa festa, transando ou sendo estuprada por três homens. Saiu da festa numa ambulância. Estava grávida, perdeu o filho. Bud nada fez, apenas sumiu. Agora ela tenta se explicar. Nesse meio tempo se passa a cena de sexo oral entre os dois. Em seguida, Daisy tenta se explicar, pede o perdão de Bud. Mas ela diz também que morreu naquele momento. Em flashback, um corpo está sendo levado pela ambulância. O sofrimento de Bud, portanto, tem uma causa ambígua: a morte de Daisy, no sentido literal, ou seja, tudo o que ocorreu no hotel não passou de um sonho ou a morte figurada. Neste caso, o sofrimento é a mágoa de ver ali na sua frente, ainda que viva, a mulher que foi maculada, violenta e voluntariamente, pelos outros, diante de seus olhos. No plano final, um close do perfil de Bud, na estrada. Quando saí do Odeon, compreendi porque Brown bunny, apesar da má fama, estava sendo exibido na sessão cineclube, dentro da programação dos melhores do ano.
The Brown bunny (The Brown bunny), 2003, EUA/ Japão /França, 93min
Direção, roteiro, fotografia e montagem: Vincent Gallo
Elenco: Vincent Gallo, Chloé Sevigny, Cheryl Tiegs
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