segunda-feira, dezembro 05, 2005

OS AMANTES, de LOUIS MALLE


No dia de encerramento da mostra Eros, na cinemateca do MAM, o filme escolhido tem o mérito de ser um trabalho de grande qualidade, além de historicamente polêmico à época de seu lançamento, em 1958. Foi censurado em alguns países, incluindo França e Brasil. Eu ainda não estava no planeta neste ano, mas em tempos recentes lembro-me de ter assistido ao seriado "Engraçadinha, seus amores e seus pecados", na TV Globo. E mais especificamente, me recordo do personagem do ator Paulo Betti, um homem casado que investia feito um lobo mau na ninfeta Engraçadinha. Entre outras safadezas, o personagem falava aos sussurros de um filme em cartaz que estava causando frisson na juventude e que as donas de casa, em nome da moral e dos bons costumes, estavam execrando: um tal de Os Amantes. Bastou isso para eu ser tomado por uma onda contagiosa de pessoas que mitificavam o filme, assim como parece ter ocorrido naquela época. Os Amantes, do francês Louis Malle, apresenta a história de Jeanne Tournier, mulher de Henry, o dono de um jornal em Dijon, no interior da França. Como bem sabemos, ser mulher ou marido de jornalista não é tarefa fácil. Naquela época já não era. Jeanne prefere, portanto, os agitos, as modas e os amigos de Paris à vida entediante com um marido que não lhe dá a mínima. Na capital, ela mantém um relacionamento amoroso com o jogador de pólo Raoul. Jeanne conta com a cumplicidade da amiga Maggy, um álibi para suas constantes idas à Paris. No entanto, o marido, desconfiado, propõe à mulher um jantar com a presença de Maggy e Raoul, que aceitam o convite e seguem para Dijon. Jeanne dirige sozinha seu carro também para Dijon, mas pára na estrada por problemas mecânicos. Enquanto os convidados aguardam a chegada da anfitriã, esta, ainda na estrada, consegue uma carona com o arqueólogo Bernard. Lá, Henry oferece uma noite de hospedagem a Bernard em retribuição à gentileza prestada. Acontece que, à mesa de jantar, a despeito da momentânea falta de luz que deixa os convidados na escuridão, Jeanne começa a perceber o esquema ridículo a que está submetida e pensa consigo, acompanhando, agora em igualdade, o narrador onisciente que já existia desde o início do filme: "um amante ridículo", "pensava estar num drama, mas estava comédia". Isso mesmo, um amante frouxo que poderia ser interessante em Paris, mas que ali é domesticado pelo arquiinimigo Henry. Durante a madrugada, vai ao jardim para refrescar a cabeça e encontra Bernard. Ele investe sobre ela, que resiste por pouco tempo. Horas depois, estarão vivendo uma história de amor. Crítica aos valores burgueses como o status profissional e social (Bernard detesta toda a futilidade dos presentes, assim como é menosprezado por essa gente) , ao casamento e ao próprio ato de esvaziar o caráter transgressor de uma relação entre amantes, institucionalizando-a, levando o amante à própria casa e tornando-o peça orgânica daquele esquema hipócrita. Jeanne e Bernard seguem, literalmente, num barco sem rumo, num leito de amor itinerante, sem destino e sem preocupação com o prazo de validade. É verdade então que o amor chega de assalto, como um forasteiro. Os Amantes é, pois, a subversão da subversão. O amante do amante do amante. A terceira margem do rio. Isso ficou mais latente para mim do que a aparição de parte do seio de Jeanne Moreau. A atriz está um esplendor. Tão boa quanto em Mata Hari e muito melhor que em Ascensor para o cadafalso e A Noite. A fotografia é de Henri Decae, que fez também Ascensor..., do Louis Malle, e o excepcional Os incompreendidos, do meu cineasta-poeta preferido François Truffaut. Ao fim, o casal segue num carro, sem destino, já que o próprio narrador, em off, diz não saber onde a história vai dar. Mas o que importa é que ela foi muito bem contada.

Os Amantes (Les Amants) 1958, França, 88min, P&B
Direção: Louis Malle Roteiro: Louis Malle, Louise de Vilmorin
Elenco: Jeanne Moreau, Alain Cuny, Jean-Marc Bory, Judith Magre, Jose-Luis Villalonga

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