sexta-feira, dezembro 16, 2005

ELOGIO AO AMOR, de JEAN-LUC GODARD



Como narr-ar God-ard? Como falar de um filme de Godard se não há linearidade regular? Posso aqui desrespeitá-lo respeitando-o. Posso, então, fazer aqui um filme escrito. Mas o que é um filme se é escrito? Pois que o próprio, ele, não eu, popularizou junto aos cineastas da nova onda francesa, na década de 1950, que a câmera é sim uma caneta, uma 'caméra-stylo'. O diretor dirige, filma, como quem escreve uma história, um livro. Ele, Godard, já colocou em xeque a própria existência ao decretar a supremacia da palavra sobre a imagem. Contrariamente, Godard é puro sentido, explosão de cores, sons, imagens... Tudo desconectado!!! Em Elogio ao Amor, Godard fala das 'notas sobre o cinematógrafo', clássico de Robert Bresson (lançado este ano no Brasil). Diz ele, não exatamente nestas palavras, que 'o diretor dirige, antes de tudo, a si próprio'. Ora, o que faz Godard se não se dirige a si mesmo? ("Não consigo fazer o enorme trabalho de direção de atores que se pode encontrar em Bergman ou Renoir, quando podemos ver que eles amavam os atores como um pintor ama seus modelos.", diz Godard) Roncos. Orquestra externa na rotunda do CCBB vazando na sala de cinema. Bresson citado por Jean-Luc Godard novamente: 'não é o acontecimento que deve causar a emoção, mas o contrário'. Risos no escuro. A fileira de trás ri discretamente de mim e de minha amiga que, por nossa vez, rimos sem nos conter do velho que ronca e dá soluços atrás de nós. Até que ele diz: "que filme ruim!" e volta a dormir. Claro, está no seu direito. O que é o filme de Godard senão o caos? O que seria de Godard se cá fora, na platéia, não houvesse toda a sorte de situações estapafúrdias? Há que haver roncos e reclamações e risos e orquestra e barulho de saquinhos de biscoitos, amendoins, balinhas etc. Há que 'godardizar' a platéia e fazer ver que cinema não é recepção passiva. Pode sim, no cinema, haver xingamentos direcionados ao diretor, Sr. Jean-Luc, afinal, Godarte. A mostra onde o filme está inserido chama-se, inclusive, Cinema no cinema. Metalinguagem. Mostra-me os bastidores do set em que filmas e te direi quem és. Ou seja, se destina e é uma homenagem aos diretores que não pretenderam fazer de seus filmes uma cópia do real, a mímesis que Platão execrou, colocando assim o espectador ciente de que tudo se trata de cinema. Aliás, os franceses, gatos escaldados que são, costumam utilizar a palavrinha mágica quando querem dizer que alguém mente: 'fulano ta fazendo cinema'. Não precisamos, portanto, de uma montagem com narrativa tradicional nasci-cresci-morri à la David Coperfield. É claro que gostamos de catástrofes, grandes romances, enfim, do cinemão, mas reivindicamos, nós cinéfilos e espectadores, que se abra o jogo, queremos que os diretores, produtores e atores saibam que não caímos nessa lorota. Tudo bem, eu confesso que choro no escurinho do cinema. Ronco, bandinha lá fora, quebra da linearidade cá e acolá, o roncador se levanta faltando quinze minutos para cair o pano. E o filme? Ah, sim. Atores que ensaiam para montar um filme sobre as fases de um relacionamento amoroso. Na tela, o passado é em cores. O presente, em P&B. Vai saber! Dá tempo de fazer piada com os americanos. Diz a personagem francesa ao produtor de cinema americano: - Mas Estados Unidos de onde? - Estados Unidos da América. - Da América? Mas o país não é toda a América. Veja o Brasil: Estados Unidos do Brasil. É por isso que vivem se apropriando da história dos outros países. Enfim, esquecem da fronteira, acham que o domínio é global e fazem de Hollywood um simulacro do mundo, comportando em seus estúdios a Itália, o Marrocos e quem mais desejarem. E aí eu tenho que parar de escrever. E aí eu não falei nem de metade do filme. E aí que Godard é assim, efusivo, multicolor, multisonoro, multivisual, multicolagem-multidescolagem. E eu procurei ser tão disperso quanto. E aí que...

Elogio ao amor (Éloge de l'amour) 2001, França/Suíça, 97min
Direção e roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Bruno Putzulu, Cecile Camp, Jean Davy, Françoise Verny, Audrey Klebaner, Philippe Lyrette

Um comentário:

Anônimo disse...

Por que nao:)